Monday, December 3, 2012

Âncora anti-depressão

Tirando o Benfica, não sou conhecido por fazer parte de muitos clubes...
E mesmo nesse estou apenas na condição de adepto, que eu tenho coisas mais importantes em que gastar o dinheiro do que nos ordenados milionários de malta sul americana. Quer dizer, não precisa de ser sul americana. Coisa boa do Benfica é que há gente de todo o lado... Menos de cá.

O que, a avaliar pelos últimos anos, nem é assim tão mau.

Não tenho nada contra eles, atenção. Vibro com os seus golos, com as fintas, com cada jogada... Admito que não há ninguém que represente melhor o Benfica e Portugal do que os argentinos, mas a verdade é que tenho uma casa para pagar. E se falhar um mês duvido que o Sálvio dê um saltinho ao Totta para interceder a meu favor. Portanto, deixo-me estar sem quotas nem lugares cativos.

Hoje em dia, tenho GRANDES restrições em relação aos clubes em que me inscrevo. Principalmente, porque não tenho dinheiro p'ra abandalhar.
Quando era miúdo, o importante era receber correspondência e acumular cartões de sócio na carteira. O que para alguns não era senão lixo, para mim era símbolo de status e aquilo que me afastava da mediocridade de não pertencer a nada. Graças a este frenesim todo, ao longo dos tempos, associei-me a grupos tão determinantes na história do mundo e do preenchimento inútil de papel como o Super Clube dos Ases (já não me lembro bem mas julgo que tinha a ver com cereais), o Clube dos Amigos do Basquetebol (desporto ao qual nunca liguei pevas) ou o Clube dos Amigos da Raça Bulldog (sim, eles existem)... Ainda tenho os cartõezinhos todos guardados e talvez escreva sobre isto um dia (porque há mais... muito mais), mas de momento não é sobre este assunto que me apetece reflectir.

Recentemente entrei para um novo clube, muito a contragosto diga-se. O clube dos 30.

E antes de mais, já sei que o cliché agora é dizer que os 30 são os novos 20 mas esta máxima levanta-me questões. Se estamos todos a levar com talhadas de 10 anos em cima então a verdade é que os 20 são os novos 10 e o assunto "pedofilia" assume uma dimensão completamente nova. A maioridade deverá então passar para os 28 e quem tem menos de 10 anos, aos olhos da modernidade, não existe. Tudo isto é bastante confuso (à luz da filosofia e da própria estupidez), provoca-me dor de cabeça e acentua-me o reumatismo... O que não me surpreende porque sou agora oficialmente "uma pessoa de idade".

A tentar lidar com a entrada neste clube a que não fazia questão de pertencer, tentei identificar âncoras que me permitissem assumir a mudança de uma forma menos brusca. Sei perfeitamente que em pouco menos de cinco meses passarei a fazer-me acompanhar por aquelas caixinhas de comprimidos que têm compartimentos para cada dia da semana, mas ainda assim algo me diz que eu não estou a ficar velho... Eu já sou velho há muito tempo.

A condução, por exemplo. É essa a minha âncora principal.
Eu sempre conduzi como um velhote e não é agora aos 30 que vou passar a fazê-lo de maneira diferente.

Os velhos, como é sabido, conduzem mal. E não olham para trás quando fazem marcha atrás (o que é estranho porque o próprio nome dá uma dica do que deveriam fazer). Isto pode ser confundido com desnorte ou senilidade mas a verdade é que é uma escolha perfeitamente consciente. Eles não olham porque acham que já olharam muito ao longo dos anos, conquistaram o direito de não olhar. Os outros, que são novos, que se cheguem à frente e olhem agora para não acabarem com um pára-choques encalacrado na dentição. Depois, quando forem velhos podem fazer o mesmo que ninguém os poderá condenar. O raciocínio é mais ou menos este.

Se um velho quer andar numa autoestrada em contramão está, pensam eles, no seu pleno direito.
Se quiser passar a ferro os dedos dos pés de uma mulher de meia idade que atravessa a passadeira, é porque ainda pode fazê-lo. E, por um lado, ainda bem. A sociedade não quer que sejam activos?
Entre as várias actividades, conta-se o bingo, a bisca no jardim, a alimentação de pombaria e o desrespeito total e absoluto pelas regras de trânsito. A escolha já só depende do bom senso de cada um.

A sociedade colhe aquilo que planta.
E como, bem vistas as coisas, qualquer pena para um velho pode vir a ser prisão perpétua... A maior parte das vezes, dá-se um desconto e esquece-se o assunto.

Uma vez vi eu, ninguém me contou...


Estava à porta de casa de manhãzinha, à espera de uma boleia.

Sai um velhote de muletas do prédio ao lado.

...

De muletas, muito vagaroso.

Em direcção a um carro que estava estacionado completamente em cima do passeio.

Sem vergonha nenhuma, o velho.

À patrão.

...

Vagaroso.

Com as muletas.

Em direcção ao carro.

...

...

...

Entrou finalmente na viatura.

Sempre vagaroso.

Já com as muletas pousadas no lugar do passageiro.

Pôs o carro a funcionar.

Deixou o motor aquecer.

...

Meteu a marcha atrás e...

...

...

PAAAAAAMMMMMM!!!

...

REBENTOU A TRASEIRA NUM POSTE DE ILUMINAÇÃO.

...

Isto comigo a ver, incrédulo e de mãos na cabeça, a poucos metros do sucedido.

...

O poste de iluminação a abanar.

A passarada a voar descontrolada em múltiplas direcções.

Algumas pessoas a assomarem às janelas, assustadas com o estrondo.


Mas agora, digam-me vocês...
O velho foi avaliar os estragos para accionar o seguro?
O velho foi ver se danificou permanentemente o poste (coisa que fez com toda a certeza) para notificar a Junta de Freguesia?
O velho maldisse a sua distracção e prometeu não voltar a agir assim?

Nada disso, meteu a primeira e, sem virar a cabeça, saiu dali mais depressa do que leva a dizer "destruição da via pública".


Ora, entre mim e este indivíduo há, agora e sempre, muito poucas diferenças.
Isto ao volante, claro. De resto, penso que a superioridade ainda está do meu lado, seja numa competição de braço de ferro ou numa feroz disputa de sapateado (não que eu saiba fazê-lo, ou outra qualquer dança seja ela qual for, mas consigo aguentar-me em pé e ele sempre precisa das muletas), só para dar dois exemplos.

Nunca tive muito jeito para a condução nem nunca tive especial apreço por automóveis.
Bem sei que o másculo e o viril seria o contrário mas tenho dificuldade em entender os tipos que tiram prazer em encerar o carro, em tratar-lhe dos estofos ou em mexer-lhes nas tubagens e engenhos. No dia em que eu passasse a fazer isto julgo que ficaria com pena dos outros electrodomésticos que possuo... E em pouco tempo estaria a puxar o brilho à máquina de secar, a mudar os plásticos ao exaustor ou a rebaixar a torradeira. Para mim, todas são máquinas e todas são iguais aos olhos de Deus. Amén.

Conduzo diariamente por uma questão de necessidade e, apesar de tudo, estou bem melhor hoje de que há alguns anos atrás. Mas, ainda assim, ao nível do pessoal idoso.

As coisas começaram tremidas ainda aos 17, durante as aulas de condução.
Praticamente todas as recordações que tenho são em Chelas com o instrutor a berrar-me na cara. Tanto que me chego a questionar se realmente eram aulas de condução ou se não terei estado umas quantas vezes envolvido em sequestros e assaltos à mão armada...

No exame propriamente dito, vi o examinador calcar o travão com toda a força que a sua santa mãezinha lhe dera um dia, segundos antes de eu empurrar o automóvel para debaixo de um autocarro.

Ele, eu e as pessoas atrás, brancos como o cal.
O autocarro a passar.
O condutor do mesmo a olhar para nós, também ele branco como o cal.
O examinador a limpar o suor da testa com um lenço de pano e a dizer, ainda ofegante:

- Encoste aí o carro e passe p'ra trás antes que a gente morra p'raqui todos...


Portanto, chumbei no primeiro exame, não é?

Mas passei no segundo e, desde aí, tenho vindo a praticar a má condução um pouco por todo o país. Uma âncora que me permite aceitar isto dos 30 de uma forma muito mais leve e natural...
É comum vermos velhotes dizerem "A malta nova não quer pegar nisto" sobre esta ou aquela tradição. Mas neste caso concreto, faço questão de fazer-lhes justiça e de imitá-los no que fazem pior, desde tenra idade.

Posso já não pertencer ao clube da "malta nova".
Mas ainda bem, porque um clube onde se ouve LMFAO ou o "Gangnam Style" é um clube parvo.

E os tempos do Super Clube dos Ases já lá vão...

5 comments:

Nuno Amado said...

Só posso dizer...
LOL
:D

Tens jeito páh!
Inscreve-te numa sessão de Stand up e sais em ombros do público!
:D

Sexinho said...

Peço desculpa André mas fiquei-me nesta; eu cá não meteria num concurso de sapateado com um velho de muletas.
É que o gajo, se quiser, empoleira-se nas muletas e os pézinhos andam livres no ar; e parecendo que não isso dá-lhe vantagem...

MDRoque said...

Arranja um curso de sapateado, que eu providencio muletas para todos :D:D ... adorei ler o post !!

André Oliveira said...

Obrigado, a todos. É bom sentir o apoio e o entusiasmo da juventude. ;)

Vânia Duarte said...

Sinceramente acho que está na altura de ponderares ter o reis à tua disposição sempre que conduzes, afinal está mais que provado que ele é um excelente alarme anti batidas e possui poderes paranormais que impedem o choque.
Falando da tua condução propriamente dita, não é lá muito espectacular não, são aquelas curvas muito à bruta, era sempre complicado de aguentar a comida muito tempo.

E pronto olha continua assim por mais 60 (não a conduzir, livre-nos o senhor disso, mas por aqui a animar as pessoas)