Monday, May 28, 2012

Ai a minha cabeça...

Há definitivamente 3 coisas que me são difíceis de fazer:


- escalar o Monte Evereste num triciclo.

- aviar um cardume de tubarões à chapada.

- comprar chapéus que me sirvam na cabeça.


Tudo o resto faço sem grande dificuldade, seja qual fora a tarefa.
Mas a verdade é que, no meu dia-a-dia, não insisto na parte do triciclo e muito menos na dos tubarões. Aceito que até aí não consigo ir e tudo bem, não me chateio nada com isso.

No entanto, resiste em mim uma fracção que não se conforma com isto dos chapéus, que acha que ainda vale a pena experimentar às dúzias deles na esperança de encontrar um que cubra este crânio gigantesco. Sei que sou louco por sonhar mas os loucos não se condenam... Quando muito, internam-se.

Aconteceu na passada sexta-feira outro desses episódios inglórios. Eu e a minha mulher decidimos ir ao Alegro de Alfragide com essa missão, certamente alimentada por uma qualquer lenda medieval, daquelas que chegam até nós pelas tradições populares...

"Atrás do sol posto, onde a montanha encontra as bombas de gasolina do Jumbo, irá luzir o último raio de sol que adivinhará o local preciso onde é possível descobrir um tesouro. O pertence mais valioso de todo o mundo, pela qual pereceram dezenas de cavaleiros. Algo nunca visto pelo Homem. UM CHAPÉU QUE REALMENTE CAIBA NO RAIO DA CABEÇORRA DO SAGUIM!!!"

Alguma coisa como isto.

Tenho a dizer que, e como de costume, percorremos uma dezena de lojas e voltámos para casa a apanhar frio na tola (pelo menos de mim falo). No entanto, não foi apenas a dimensão dos vis acessórios que traiu as minhas intenções...

A primeira loja só tinha bóinas cor de rosa. Imagino que seja a última tendência da moda e acreditem que sou tudo menos preconceituoso. Mas como da última vez que vi não era boiola, decidi deixá-las onde estavam.

A segunda loja tinha uma colecção de chapéus que faria o Liberace chorar de inveja. A esquizofrénica mostra de cores e padrões levou-me a crer que o Andrea Bocelli arranjou emprego como consultor estético... Mas, cá para mim, tudo o que o afastar da ópera é digno de ser aplaudido.

Foleirada à parte, tudo o resto (TUDO!), pura e simplesmente não serviu porque os chapéus ou eram pequenos ou a minha cabeça era demasiado grande. Se eu não me importasse de andar na rua à Pato Donald, com uma bóina encavalitada no cocuruto da pinha, talvez tivesse ali um bom leque de opções. Mas como, graças a Deus Nosso Senhor, ainda tenho noção do ridículo e um pingo de vergonha na cara prefiro sempre andar ao natural ou continuar a usar a bóina de sempre (continuo a dizer que foi encomendada à medida e com o pretexto de cobrir um um daqueles balões da Nivea que havia nas praias mas a minha mulher, que foi quem ma ofereceu, jura que não).

Começo a ficar um pouco cansado com este "problema" recorrente. Coloco-o entre aspas porque admito que não é verdadeiramente um problema senão no 1º mundo. Eu estou preocupado em não encontrar chapéus que me cubram a cabeça em condições enquanto que há populações inteiras que se preocupam antes com a manutenção das próprias cabeças. Sei bem que é uma mariquice mas ainda assim... Tira-me o sono.

Cheguei inclusivamente a algumas conclusões:


- Eu sou uma espécie de anão mas um pouco mais esticado. Ou seja, tenho a cabeçorra dum mas mais meio metro do que é habitual.

- Eu não sou careca, tenho a mesma quantidade de cabelo que tinha há dez anos atrás. O que acontece é que a cabeça continuou a crescer e o coro cabeludo não chega para cobrir tudo.

- É o preço que tenho de pagar por toda a genialidade com que sou obrigado a viver. Não basta só ser mega-inteligente, há que ter espaço para alojar os neurónios todos. Era bom que os neurónios fossem como os chineses que cabem às famílias de vinte num T0 mas logo por azar não é assim que funciona.


Enfim, a demanda continua.
Pode ser que encontre um chapéu decente na Amazon ou assim. Ou então sempre posso esperar pelo fim do Rock in Rio e dar um salto à Bela Vista...

... p'ra ver se há algum toldo que já não queiram.

Tuesday, May 1, 2012

A trombeta do Apocalipse

Este que vos escreve tirou uma semaninha de férias para vir descansar a cabeça p'ra Ferrel, junto à praia do Baleal. Este que vos escreve acordou de manhã todo bem disposto e foi comer uma sandes mista ao café mais próximo. De seguida, este que vos escreve recebeu um telefonema a anunciar que o Pingo Doce estava a oferecer 50% de desconto em todas as compras. Assim, e ainda a mastigar meio pão, este que vos escreve zarpou imediatamente para Peniche.

Imediatamente.

Isto porque, e não façamos confusões, este que vos escreve é uma AUTÊNTICA BESTA!

Hoje testemunhei coisas que nunca esperei em toda a minha vida.
Numa só manhã (e início da tarde) vi o pior do ser humano, e atenção que em muitos dos casos não coloco as mãos no fogo pela parte do "humano". Tudo isto in loco e a encher os cofres do estado holandês. Portanto, foi uma manhã em cheio.

Perguntam vocês: - Ó saguim, mas estando tu tão descansadinho mais a tua mulher, o que te deu para te enfiares naquilo que os mais esclarecidos apelidarão eloquentemente como "o olho do cú do inferno"?!

Ao que eu respondo: - Basta pegar na parte que diz "50% de desconto em todas as compras" mais aquela que diz que eu sou uma "AUTÊNTICA BESTA" e fazer a matemática...

Portanto, às 11h já eu lá estava metido.


Ao chegar, apercebi-me logo que já não haviam carrinhos disponíveis. Mulheres disformes com aspecto de peixeiras empurravam aos três e quatro em fila indiana enquanto limpavam o focinho dos filhos emplastrados de ranho. Isto enquanto se esqueciam de limpar o seu próprio focinho, loucas que estavam com a oportunidade divina de levarem duas dezenas de pacotes de papel higiénico a preço de ocasião.

(A sério, e isto é só um aparte... QUAL É A CENA COM O PAPEL HIGIÉNICO?! Ficaram tão excitados com a promoção que deixaram de possuir tónus no esfíncter?! É que aquela malta realmente cheirava a merda mas preferi deduzir que fosse pela falta de higiene pessoal e não por qualquer outro motivo mórbido! De todas as coisas que as pessoas podiam levar a metade do preço, afigura-se-me que o raio do papel higiénico foi o primeiro a esgotar nas prateleiras. Eu sei que é uma coisa que não se estraga e provavelmente foi esse o raciocínio dos génios que decidiram ir para casa a acartar às pilhas de Renova mas ainda assim... Dado o preço da coisa não podem ter feito assim tão bom negócio! Enfim, adiante...)

Assim, dada a ausência dos tão úteis carrinhos de compras eu e a minha mulher contentámo-nos com um cestinho e dois sacos do Jumbo, daqueles mais rijos que nos deram quando fomos tirar o cartão lá deles. Se virem isto como uma traição, azar! Façam também os 50% de desconto se forem capazes e depois conversamos... pode ser que apareça em Alfragide com sacos do Pingo Doce p'ra fazer justiça.

Portanto, com um cesto e dois sacos lá fomos desbravando caminho por entre a turba de sebosos que se gladiava quase à base de chapada por fruta, congelados e produtos de limpeza. Eu sei que não sou nenhum galã, aliás longe disso, mas acho que nunca vi tanta gente feia junta no mesmo sítio. E atenção que já estive uma vez na casa do povo do Cartaxo... Portanto, estão a ver onde está colocada a minha fasquia.

Enquanto a minha mulher saltava de um corredor para o outro com a agilidade de um coelho com hemorróidas, eu rezava a todos os santos para não ser jogado ao chão e espezinhado violentamente pela multidão em fúria que vagueava aos tropeções pelos corredores e esfregava o focinho pelos escaparates até não sobrar nada. Vi malta a sacar coisas das prateleiras só para ter o prazer de as atirar para o lado com um gesto de desprezo, assim como quem diz "podia levar esta bosta por metade do preço mas é tão merdosa que nem me vou dar ao trabalho..." Assisti portanto a uma verdadeira exaltação do ego e um reforço da confiança de centenas de pessoas. Mas isso não chegou para que eu me sentisse contente...

Não se passaram dez minutos desde a minha entrada naquele caos para que me arrependesse solenemente de ali estar. De manhã, a ideia até tinha sido dar um passeio de bicicleta até à praia. Mas foi quando vi diante de mim uma velha com três bacalhaus em cada mão a berrar ensurdecedoramente qualquer badalhoquice para o ar é que percebi que o plano nada tinha já a ver com bicicletas ou com praia... Era o sinal de que a morte estava à espreita. A trombeta do Apocalipse.

Decidi esconder-me no sector do material de escritório, aquele que, curiosamente ou não, era dos menos movimentados. Fiz do inóspito local uma espécie de "toca" da qual espreitava esporadicamente na esperança de ver a polícia de choque a expulsar com bastante violência a terrível máfia de pensionistas, para que eu pudesse enfim fazer as compras descansado. Volta e meia também fantasiava em como seria bom possuir um lança-chamas. Mas era quando a minha imaginação ia longe demais e soltava uma ou outra gargalhada maliciosa que chegava a minha mulher com mais três latas de polpa de tomate que conseguira arrancar à força das mãos de uma mãe solteira.

A malta perdera o tino.

Eu sei que quando digo malta não posso excluir-me... Eu sei que também lá estava.
Também sei que vivemos tempos difíceis e que há que aproveitar mas... fazerem uma promoção destas no primeiro dia do mês, um feriado e ainda para mais no DIA DO TRABALHADOR?! É um convite à mortandade, senhores.  Um convite à mortandade.

Passados singelos vinte minutos já o cestinho e os sacos estavam tão cheios como os olhos da ex-mulher do Paco Bandeira. Hora então de seguir para a fila. E foi aí que começaram os verdadeiros problemas...

Se há coisa que aprendi no Minipreço de Benfica é que todo e qualquer super ou hipermercado é uma bomba relógio à espera de explodir. Eu não quero apontar o dedo a ninguém em especial mas as culpadas são O RAIO DAS VELHAS!!! Elas podem não estar a dizer nada mas estão sedentas de uma boa zaragata, de um bate-boca ordinário, de poderem soltar grosseiramente aqui e ali um "Vai p'rá tua terra!" Parece que não vêem mas vêem. Elas topam tudo. Sabem se avançámos um centímetro na fila das compras, se parece que eventualmente possamos estar a querer passar-lhes à frente, se dizemos qualquer coisa mesmo em voz baixa que lhes pareça incorrecto. Conhecem de antemão quantas pessoas estão nas filas e quantas estão nas caixas. Elas têm uma perfeita noção do espaço, dos indivíduos que o compõem, dos materias que definem a área e de tudo o que é necessário p'ra começar a berrar alarvidades. É uma técnica amadurecida ao longo de gerações.

Assim, pouco depois de ocuparmos o nosso lugar na fila para pagar já a minha mulher improvisava à base de discussão para uma velha que tentava furar à mete-nojo, acompanhada pelo neto que se assemelhava muitíssimo a uma bola de sêbo com óculos. Eu olhei para a velha, que parecia travar um combate mais renhido com a própria dentadura do que com a minha mulher, com aquele olhar pacato de quem não está p'ra se maçar. Não me interpretem mal, naquela fase estava capaz de lhe esmagar o pace maker com o último dos peixes-espada que jazia na secção da peixaria, mas ainda assim contive-me e esperei que o assunto se resolvesse por si só. A minha mulher solicitou a intervenção do cigano que estava à frente, e que empurrava mais a mulher uma caravana de cerca de dez sacos e carrinhos que continham praticamente tudo o que é comercializável na União Europeia, cigano esse que rapidamente meteu a velha no lugar e lhe disse que quem tinha razão eramos nós. Houvesse um destes em cada tribunal e amanhã já o Isaltino ia tomar duche à prisão, a apanhar o sabonete ao som de Gipsy Kings. Mas enfim, como não há é a vergonha que é...

As horas que se seguiram foram de profundo e doloroso sofrimento. Dez minutos de espera, dez centímetros em direcção à caixa, mais dez minutos de espera, mais dez centímetros... Volta e meia a rotina era interrompida por alguém que prendia a minha atenção como uma mulher de meia idade com vestuário amarelo e cabelo pintado de louro que me pareceu muito semelhante ao popular Poupas da Rua Sésamo ou uma outra já com "idade para ter juízo" mas que exibia uma espanpanante tatuagem no fundo das costas que se orgulhava de exibir com orgulho badalhoco enquanto sacava a última garrafa de lixívia dos escaparates... Profundo e doloroso sofrimento.

Chegámos à caixa já com uma vontade primitiva de chorar, depois de horas a ouvir os comentários da velha que nos queria passar à frente, que não parava de convencer a bola de sêbo do neto a mamar à borla tudo o que havia ali p'ra comer. Durante o tempo que ali estivemos o puto comeu uma tangerina, uma banana, um kit kat e uma embalagem de queijadas. Por mim, também tinha comido com uma murraça na tromba mas como ninguém me perguntou nada acabei por guardar as minhas sugestões p'ra mim próprio.

O rapaz que estava na caixa deixou-me estarrecido e, só por si, simbolizava este "Dia do Trabalhador". Permanecia calado, rosto imóvel, olhar vítreo... O gesto mecânico e repetido de passar os produtos pelo leitor de infravermelhos. Uma expressão catatónica que parecia querer explodir em pranto num "FUCK MY LIFE" interminável que só poderia acabar em suicídio. Aquele rapaz possuía nos olhos a tristeza do mundo. Mas nem assim se safou de levar um responso da gerente, por causa do quê não cheguei a descobrir, com o argumento de "Tu estás a trabalhar e nós também estamos. Ninguém sabia que isto ia ser assim..."

Ninguém sabia o quê?!

Primeiro dia do mês.
Feriado.
50% de desconto!

Pensavam que a malta ia entrar organizada e respeitosamente pelos Pingo Doces de todo o país e fazer as suas compras de maneira civilizada e humana? Julgam que estão aonde? em Estocolmo?! E depois o desgraçado do puto que dali só pára no Júlio de Matos ou em Custóias é que tem culpa?!

Enfim, saí de lá pior que estragado.
Por ter decidido passar uma manhã das minhas férias da pior maneira possível e por ter testemunhado as coisas que testemunhei. Esperam-me noites de pesadelos e suores frios que certamente só conhecerão descanso após muitos anos de psicoterapia.

Crash da bolsa americana, 2ª Guerra Mundial, crise humanitária no Ruanda... pr'a meninos!

Duro duro foi o Pingo Doce em 2012.