Friday, December 21, 2012

CAGUEI P'RÓ FIM DO MUNDO!

Isto, tal qual.
E nem vou alongar-me muito sobre o assunto porque há milhões de espertinhos que estão a fazê-lo por mim neste preciso momento. O verdadeiro fim do mundo é haver tantas piadas idiotas sobre o fim do mundo, quando bastava que soasse um trovão de repente para que todos os comediantes de ocasião se desfizessem em diarreia pelas pernas abaixo. Aos esguichos como a erupção do Vesúvio!

Pá, se acabar acabou!
A pergunta que temos de colocar a nós próprios é se um mundo que cuspiu cá para fora Big Show SIC's, Casas dos Segredos e Manhãs da Júlia merece algum tipo de pesar ou de consideração. A verdade é que se os Maias anunciaram o juízo final para agora e não olharam para o lado a tempo de topar os espanhóis que se preparavam para os sachar à marretada, então há algo de muito mal contado aqui. Seriam videntes míopes e só conseguiam prever o futuro ao longe? Ou uma civilização que se entretinha a decapitar atletas que não enfiavam bolas em aros de pedra com a ajuda do cotovelo tinha de facto um parafuso a menos? Enfim, muitas questões, muitas piadinhas, mas nenhuma resposta do país por excelência da marijuana.

Assim sendo, e de volta às questões fulcrais da actualidade, hoje de manhã quase que desejei que o mundo acabasse realmente por uma ordem de razões. E, curiosamente, todas elas relacionadas com a minha ida ao ginásio.

Ora, o espaço de treino que eu agora frequento tem uma porta automática que se abre através da digitação de um código pessoal. Esse número é-nos fornecido através de um registo online e do preenchimento de uma ficha com os nossos dados e a nossa foto. Eu, por alguma razão idiota certamente associada às várias quedas de cornamenta ao chão na infância e ao uso excessivo de chinelos de dedo, decidi colocar não a foto da minha pessoa mas sim uma outra de Arnold Schwarzenegger nos tempos do bodybuilding.

...

Apenas porque sou estúpido. Não há mais nenhuma razão que o fundamente.

Isto até não seria grave se toda a santa vez que eu digitasse o código para entrar, a foto não aparecesse em formato GIGANTE num ecrã por cima da porta.
Agora, podem perguntar-me porque é que eu, tendo uma réstia de dignidade e noção do ridículo, não alterei a imagem no site e fiquei descansadinho... Vá lá, perguntem...
Epá, porque não deu.
Eu tentei, mas não deu.
Fiz upload de várias fotos, várias vezes diferentes e com diversos browsers, mas à entrada quem apareceu desde o dia 1 foi sempre o bom e velho Arnold a alancar com um haltere de cento e vinte quilos e a bufar estilo boi-cavalo.

Com o passar do tempo, decidi aceitar.
Normalmente, quando a vida me dá limões eu pergunto "P'ra que é que eu quero esta merda?!" mas desta vez chupei o raio dos citrinos. Muito, MUITO, a contragosto.

Passei a entrar sempre à socapa, esquivo como o Vale e Azevedo num dia de renda, para que ninguém percebesse o pateta que efectivamente sou. E sempre tive sucesso...
Até este malfadado dia 21...

O segurança que costuma estar junto às salas de treino a topar o rabo das gajas (afinal de contas é para isso que lhe pagam), hoje, talvez por ser o fim do mundo e estar demasiado deprimido para apreciar bom nalguedo, preferiu estar junto às portas num local privilegiado face ao ecrã. Avistando-o antecipadamente e sabendo que me dirigia para a minha perdição, agi com a máxima naturalidade que o meu tónus muscular permitiu, digitei o código e esperei que o Arnold surgisse e pusesse a nu todo o meu sentido de humor primário e demente. Era como uma prova de fé e confiança que Deus colocara diante de mim. Embora, por esta altura eu já devesse saber que Deus só me quer como palhaço. Atirar-me-ia de bom grado meia dúzia de tartes de natas à cara todos os dias, se isso não fosse tão show off.

Bom, talvez por perceber que não tinha escapatória possível, resolvi quebrar o gelo e olhar o segurança nos olhos enquanto sorria nervosamente.
Cheguei mesmo a soltar uma gargalhada surda que se materializou em som sob a bizarra forma de "GRGL..." Uma interjeição imperceptível que acabou por ilustrar o desconforto do momento.

...

GRGL..

...

O segurança topou o Arnold no monitor.

...

GRGL...

...

Devolveu-me o olhar.

...

GRGL...

...

E NÃO ESBOÇOU QUALQUER EXPRESSÃO NAQUELA P**A DAQUELA CARA!

...

Por mim o mundo podia muito bem acabar ali.
Enquanto eu gorgolejava ridiculamente diante da porta automática podia sem problemas apanhar com um meterorito na testa ou com um tsunami pelas costas abaixo. Detestaria saber que a minha última palavra se reduzira ao som "GRGL" mas, que se lixe, também não ficaria cá ninguém para se lembrar dela e ceder à tentação de a enfiar num livro reles de citações ou de a escrever na minha lápide.


AQUI JAZ SAGUIM

1982 - 2012

"GRGL"


Enfim, merda p'ra isto tudo.
Segui para os balneários com a moral a arrastar pelo chão e nenhuma vontade de ir p'rá passadeira.
Entrei no recinto e quando comecei a tirar as coisas do saco apercebi-me que tinha voltado a esquecer-me de uma muda de roupa interior para vestir depois do banho.

Cansaço...

Se fosse a primeira vez até se percebia.
Mas por esta altura já deve ser a quarta.
E isso é estúpido.

Não que seja horrível de todo adoptar o estilo freestyle. Mas há uma lista exaustiva de coisas que ainda assim prefiro fazer e que incluem espetar agulhas nos olhos ou comer vidro... Vamos ser francos: é desagradável!
Eu já guardo um par de meias extra no meu local de trabalho, a contar com estes meus lapsos cerebrais. Só lamento não ter tido a mesma ideia para as chamadas boxers, pois também me fazem muita falta.

Enfim, talvez imbuído pela humilhação da entrada ou pelo desalento de ter de passar o dia "à larga", vi-me absolutamente desesperado por uma outra situação que tenho guardado em silêncio até ao dia de hoje e que não dá mais para ocultar.

Estou muito satisfeito com aquele ginásio, não digo que não (e quem me conhece e quem leu posts anteriores sabe que isso não é muito fácil de conseguir). Porém...

Aquele espaço...

Possui...

Sem sombra de dúvida...

A PIOR SELECÇÃO MUSICAL DA HISTÓRIA DOS GINÁSIOS!

É que é uma xinfrineira infernal de batuques, guinchos e auto-tunes capazes de sorver o QI de um indivíduo décima a décima (pelo menos a avaliar por quem por lá anda e parece apreciar o som). As mais tinhosas rameiras da indústria musical em todo o seu esplendor, invadindo os meus tímpanos sem dó nem piedade todas as manhãs que vou treinar. Tenebroso!
Normalmente, encaixo o suplício com coragem e paciência mas hoje, quebradiço emocionalmente como estava, fiquei uma vez mais a desejar que o tal planeta Nibiru (ou lá como se chama aquela merda) se viesse espetar naquele subwoofer como um campeão.

Tão horrível, tão insuportável, que preferia ouvir os balidos agoniantes de um CABRITO VIVO A GUISAR! E eu sou um tipo que gosta de animais.

Enfim, soltei a minha lágrima.
Treinei como um senhor.
Abandonei o ginásio sem encarar o segurança.
E passei o resto do dia com comichões na virilha.

'Tou-me a cagar p'ró fim do mundo dos índios porque eles nunca souberam o que era sofrimento a sério. Não tivesse eu de passar esporadicamente por experiências destas e também me armava em exótico a talhar pedregulhos p'ra deixar em broa os papalvos do ano 3000.

Amanhã é outro dia...
E é isso que me mete medo!

Monday, December 3, 2012

Âncora anti-depressão

Tirando o Benfica, não sou conhecido por fazer parte de muitos clubes...
E mesmo nesse estou apenas na condição de adepto, que eu tenho coisas mais importantes em que gastar o dinheiro do que nos ordenados milionários de malta sul americana. Quer dizer, não precisa de ser sul americana. Coisa boa do Benfica é que há gente de todo o lado... Menos de cá.

O que, a avaliar pelos últimos anos, nem é assim tão mau.

Não tenho nada contra eles, atenção. Vibro com os seus golos, com as fintas, com cada jogada... Admito que não há ninguém que represente melhor o Benfica e Portugal do que os argentinos, mas a verdade é que tenho uma casa para pagar. E se falhar um mês duvido que o Sálvio dê um saltinho ao Totta para interceder a meu favor. Portanto, deixo-me estar sem quotas nem lugares cativos.

Hoje em dia, tenho GRANDES restrições em relação aos clubes em que me inscrevo. Principalmente, porque não tenho dinheiro p'ra abandalhar.
Quando era miúdo, o importante era receber correspondência e acumular cartões de sócio na carteira. O que para alguns não era senão lixo, para mim era símbolo de status e aquilo que me afastava da mediocridade de não pertencer a nada. Graças a este frenesim todo, ao longo dos tempos, associei-me a grupos tão determinantes na história do mundo e do preenchimento inútil de papel como o Super Clube dos Ases (já não me lembro bem mas julgo que tinha a ver com cereais), o Clube dos Amigos do Basquetebol (desporto ao qual nunca liguei pevas) ou o Clube dos Amigos da Raça Bulldog (sim, eles existem)... Ainda tenho os cartõezinhos todos guardados e talvez escreva sobre isto um dia (porque há mais... muito mais), mas de momento não é sobre este assunto que me apetece reflectir.

Recentemente entrei para um novo clube, muito a contragosto diga-se. O clube dos 30.

E antes de mais, já sei que o cliché agora é dizer que os 30 são os novos 20 mas esta máxima levanta-me questões. Se estamos todos a levar com talhadas de 10 anos em cima então a verdade é que os 20 são os novos 10 e o assunto "pedofilia" assume uma dimensão completamente nova. A maioridade deverá então passar para os 28 e quem tem menos de 10 anos, aos olhos da modernidade, não existe. Tudo isto é bastante confuso (à luz da filosofia e da própria estupidez), provoca-me dor de cabeça e acentua-me o reumatismo... O que não me surpreende porque sou agora oficialmente "uma pessoa de idade".

A tentar lidar com a entrada neste clube a que não fazia questão de pertencer, tentei identificar âncoras que me permitissem assumir a mudança de uma forma menos brusca. Sei perfeitamente que em pouco menos de cinco meses passarei a fazer-me acompanhar por aquelas caixinhas de comprimidos que têm compartimentos para cada dia da semana, mas ainda assim algo me diz que eu não estou a ficar velho... Eu já sou velho há muito tempo.

A condução, por exemplo. É essa a minha âncora principal.
Eu sempre conduzi como um velhote e não é agora aos 30 que vou passar a fazê-lo de maneira diferente.

Os velhos, como é sabido, conduzem mal. E não olham para trás quando fazem marcha atrás (o que é estranho porque o próprio nome dá uma dica do que deveriam fazer). Isto pode ser confundido com desnorte ou senilidade mas a verdade é que é uma escolha perfeitamente consciente. Eles não olham porque acham que já olharam muito ao longo dos anos, conquistaram o direito de não olhar. Os outros, que são novos, que se cheguem à frente e olhem agora para não acabarem com um pára-choques encalacrado na dentição. Depois, quando forem velhos podem fazer o mesmo que ninguém os poderá condenar. O raciocínio é mais ou menos este.

Se um velho quer andar numa autoestrada em contramão está, pensam eles, no seu pleno direito.
Se quiser passar a ferro os dedos dos pés de uma mulher de meia idade que atravessa a passadeira, é porque ainda pode fazê-lo. E, por um lado, ainda bem. A sociedade não quer que sejam activos?
Entre as várias actividades, conta-se o bingo, a bisca no jardim, a alimentação de pombaria e o desrespeito total e absoluto pelas regras de trânsito. A escolha já só depende do bom senso de cada um.

A sociedade colhe aquilo que planta.
E como, bem vistas as coisas, qualquer pena para um velho pode vir a ser prisão perpétua... A maior parte das vezes, dá-se um desconto e esquece-se o assunto.

Uma vez vi eu, ninguém me contou...


Estava à porta de casa de manhãzinha, à espera de uma boleia.

Sai um velhote de muletas do prédio ao lado.

...

De muletas, muito vagaroso.

Em direcção a um carro que estava estacionado completamente em cima do passeio.

Sem vergonha nenhuma, o velho.

À patrão.

...

Vagaroso.

Com as muletas.

Em direcção ao carro.

...

...

...

Entrou finalmente na viatura.

Sempre vagaroso.

Já com as muletas pousadas no lugar do passageiro.

Pôs o carro a funcionar.

Deixou o motor aquecer.

...

Meteu a marcha atrás e...

...

...

PAAAAAAMMMMMM!!!

...

REBENTOU A TRASEIRA NUM POSTE DE ILUMINAÇÃO.

...

Isto comigo a ver, incrédulo e de mãos na cabeça, a poucos metros do sucedido.

...

O poste de iluminação a abanar.

A passarada a voar descontrolada em múltiplas direcções.

Algumas pessoas a assomarem às janelas, assustadas com o estrondo.


Mas agora, digam-me vocês...
O velho foi avaliar os estragos para accionar o seguro?
O velho foi ver se danificou permanentemente o poste (coisa que fez com toda a certeza) para notificar a Junta de Freguesia?
O velho maldisse a sua distracção e prometeu não voltar a agir assim?

Nada disso, meteu a primeira e, sem virar a cabeça, saiu dali mais depressa do que leva a dizer "destruição da via pública".


Ora, entre mim e este indivíduo há, agora e sempre, muito poucas diferenças.
Isto ao volante, claro. De resto, penso que a superioridade ainda está do meu lado, seja numa competição de braço de ferro ou numa feroz disputa de sapateado (não que eu saiba fazê-lo, ou outra qualquer dança seja ela qual for, mas consigo aguentar-me em pé e ele sempre precisa das muletas), só para dar dois exemplos.

Nunca tive muito jeito para a condução nem nunca tive especial apreço por automóveis.
Bem sei que o másculo e o viril seria o contrário mas tenho dificuldade em entender os tipos que tiram prazer em encerar o carro, em tratar-lhe dos estofos ou em mexer-lhes nas tubagens e engenhos. No dia em que eu passasse a fazer isto julgo que ficaria com pena dos outros electrodomésticos que possuo... E em pouco tempo estaria a puxar o brilho à máquina de secar, a mudar os plásticos ao exaustor ou a rebaixar a torradeira. Para mim, todas são máquinas e todas são iguais aos olhos de Deus. Amén.

Conduzo diariamente por uma questão de necessidade e, apesar de tudo, estou bem melhor hoje de que há alguns anos atrás. Mas, ainda assim, ao nível do pessoal idoso.

As coisas começaram tremidas ainda aos 17, durante as aulas de condução.
Praticamente todas as recordações que tenho são em Chelas com o instrutor a berrar-me na cara. Tanto que me chego a questionar se realmente eram aulas de condução ou se não terei estado umas quantas vezes envolvido em sequestros e assaltos à mão armada...

No exame propriamente dito, vi o examinador calcar o travão com toda a força que a sua santa mãezinha lhe dera um dia, segundos antes de eu empurrar o automóvel para debaixo de um autocarro.

Ele, eu e as pessoas atrás, brancos como o cal.
O autocarro a passar.
O condutor do mesmo a olhar para nós, também ele branco como o cal.
O examinador a limpar o suor da testa com um lenço de pano e a dizer, ainda ofegante:

- Encoste aí o carro e passe p'ra trás antes que a gente morra p'raqui todos...


Portanto, chumbei no primeiro exame, não é?

Mas passei no segundo e, desde aí, tenho vindo a praticar a má condução um pouco por todo o país. Uma âncora que me permite aceitar isto dos 30 de uma forma muito mais leve e natural...
É comum vermos velhotes dizerem "A malta nova não quer pegar nisto" sobre esta ou aquela tradição. Mas neste caso concreto, faço questão de fazer-lhes justiça e de imitá-los no que fazem pior, desde tenra idade.

Posso já não pertencer ao clube da "malta nova".
Mas ainda bem, porque um clube onde se ouve LMFAO ou o "Gangnam Style" é um clube parvo.

E os tempos do Super Clube dos Ases já lá vão...

Friday, November 9, 2012

Triste, triste, triste

Ok, houve realmente uma coisa que não mencionei no meu último post, outra das razões pela qual sou capaz de estar mais magro... E começo assim o texto como se não tivesse havido interrupção nenhuma em relação ao anterior, como se acreditasse que todos tivessem estado duas ou três semanas em suspenso sem tirar os olhos do ecrã. A isto, meus amigos, chama-se confiança. Ou então é a estupidez do costume. Há-de ser uma das duas.

Ora bem, além de efectivamente não andar a comer "merda" (termo que usei para definir aquilo que não faz bem nenhum ao organismo e só serve para sossegar a gula) posso também adiantar que deixei de beber álcool.

Isto lido assim parece que não tem impacto nenhum... Mas podem crer que me foi particularmente difícil escrever estas palavras. Até porque escrever num teclado enquanto se chora copiosamente, equilibrando meia dúzia de kleenexes nas mãos é coisa para profissionais.

Deixei de beber álcool e isso é motivo de tristeza profunda para mim.
Mais triste do que um órfão a tremer de frio.
Mais triste do que um esquimó à paulada a uma foca bébé.
Mais triste do que o sonho do Jorge Gabriel em treinar o Sporting.
Mais triste do que Felix Baumgartner a atirar-se do espaço sem que ninguém o fosse tentar agarrar.

Triste, triste, triste.

E a razão que me levou a abandonar a pinga, para tornar tudo ainda mais revoltante, nem foi o raio da pança. Nem foi o peso. Foi porque o meu corpo insiste, desde os quatro anos, a sofrer de uma patologia típica "das gajas". Tenho enxaquecas crónicas desde tenra idade e percebi que bastam dois ou dezoito copos de vinho tinto para fazer disparar uma dor de cabeça mais depressa do que uma mulher da casa do Paco Bandeira.

Mas a verdade é que eu nem sequer bebia muito.
Nunca fui daqueles tipos que chegam a casa e vão preparar "um drink", vertendo generosas quantidades de whisky em copos largos (coisa muito vista em telenovelas, séries e filmes). Nunca percebi como é que aqueles indivíduos conseguiam depois ir jantar e estar com a família em condições... Se fosse eu a fazer isso, provavelmente não demoraria quinze minutos a ficar vermelhusco e a olhar fixamente para a minha mulher, encostado à ombreira da porta. Tenho a certeza de que em pouco tempo, ela passaria a dormir com um cutelo debaixo da almofada.

Também é comum vermos na TV aqueles homens de negócios que antes de assinar um contrato, enquanto discutem os detalhes, atiram baldes de "scotch" para a goela e largam baforadas de charuto no ar. Para vossa informação, eu já experimentei fazer isto e não acabou nada bem. Acreditem que para que os documentos não acabem a boiar em vomitado e estes homens não passem o resto da tarde de bruços no tapete do escritório de um deles, é preciso um poder de encaixe daqueles valentes.

A minha relação com o álcool nunca foi esta. Nem nada que se parecesse!
Beber para mim, com o passar dos anos, tornou-se algo social para ser partilhado com amigos, entre histórias divertidas e gargalhadas soltas. Se há coisa que a História nos ensinou é que um bom vinho desperta os sentidos e alimenta o espírito, e eu sempre gostei muito de História.

Assim como de vinho.

Tempos houve em que até tentei fazer um workshop para perceber um bocado mais. Mas os tipos não me abriram a porta e acabei por ficar na mesma (a título de curiosidade, o relato ficou aqui imortalizado).

Mas pronto, afinal esta abstinência até resulta: nunca mais tive enxaquecas a sério.
Isto é mais uma maneira grosseira e pouco criativa que o universo teve para me mostrar que não sou bem-vindo neste mundo cruel! Nada do que eu gosto pode ser feito. NADA!

Neste momento, eu que era a alma de qualquer festa ou jantar, tenho o espírito e o sentido de humor de um tijolo acabado de cozer. Isto e o parecer que o meu guarda-fatos é a secção de toldos do Leroy Merlin, torna a minha vida muito mais complicada de momento.
A total e completa ausência de álcool no meu organismo, aliada ao desaparecimento da sofreguidão, e porque não dizer ferocidade, no "ataque" à comida, fizeram com que já não constitua entretenimento para ninguém. Sou uma sombra daquilo que já fui... O álcool, é preciso dizê-lo, era o meu doping.

A minha sorte é que isto não é como no ciclismo e, ao jeito do Lance Armstrong, ninguém vai manchar o meu currículo ou tornar-me persona non grata do mundo dos petiscos e dos chiribitis. O que passou passou e quem viveu ficou com boas memórias.

Agora é começar do zero e reinventar-me, criar toda uma nova forma de estar, sem o inebriante efeito dos chamados "copos".

...

Tivesse eu lidado com isto mais cedo e o sacana do Baumgartner não tinha saltado sozinho.

Thursday, October 18, 2012

De volta, mas pouco...

Ora bem, para aqueles que fantasiam sobre o que estive a fazer no último mês e meio, apontar muito rapidamente cinco tópicos:


- Fantasiar é p'ra meninas.

- Fantasiar sobre mim, além de ser p'ra meninas, é perturbador.

- Eu sei que disse que ia parar para fazer o livro.

- Mas fazer o livro demora tempo e a vida continua.

- Estou um bom bocado mais magro.


Pronto, posto isto, obrigado e boa tarde.

...

Ok, vamos lá elaborar um bocadinho mais...
Estou realmente a fazer o livro mas cheguei à conclusão que o saguim escreveu que se desunhou nos últimos anos. Portanto, há aqui trabalho para duas ou três oficinas de crianças vietnamitas durante meses e meses, para despachar no intervalo dos sapatos. E atenção que digo vietnamitas e não portuguesas porque as de cá nem emprego têm devido à falência das fábricas... Isto, como sabem, está mesmo muito mau.

Assim, enquanto o bicho está no forno a apurar, decidi ir escrevendo mais qualquer coisa para não perder o pouco jeito que tenho. Senão quando voltar a dedicar-me à palhaçada sou capaz de estar ao nível do sentido de humor de António Sala na altura das "Anedotas sem malícia" (manual esse que ainda nos dias de hoje assombra os meus pesadelos mais sombrios).

Depois do meu último post muita coisa se tem passado, o mundo e os seus tumultos ambientais e económicos não dá senão motivos de preocupação e debate, assunto não falta... Mas julgo que o mais importante acaba mesmo por ser eu estar mais magro. Significativamente mais magro.

E se eu escrevia textos a ridicularizar a minha compleição de paquiderme, agora é justo que faça a mesma coisa mas ao contrário. É que isto de ser magro (ou mais magro, vá) não é tão bonito ou glamoroso como o pintam. Uma das coisas aborrecidas com que tive de me deparar, e ainda hoje me deparo, é a cara de espanto das pessoas que encontro e que já não me viam há algum tempo. No lugar de esbarrarem com o mamute a que estavam habituadas vêm uma versão subnutrida desse mesmo mamute, o que dá lugar sempre ao mesmo leque de reacções. É comum entrarem num estado de grande admiração e surpresa, exclamando "Estás tão diferente! Tão magro! O que se passou? O que fizeste?" Ao que eu respondo sempre: "Estou doente e custa-me falar sobre o assunto..."

...

Desta forma, evito a situação embaraçosa de ter de descrever "a minha fórmula de dieta".
Afasto conversas indesejadas.
E também as próprias pessoas que se arrastam de lágrimas nos olhos, a pedir a amigos comuns o número de telemóvel dos meus pais para saberem mais detalhes e como ajudar.
Só isso me faz sorrir.

Mas pronto, estou mais magro e neste momento não tenho calças que me sirvam.
Dantes não tinha porque cheguei a um ponto em que dos dez pares que estavam no guarda-fatos só dois passavam com dificuldade a zona dos tornozelos.
Agora não tenho porque dos dez pares que possuo só dois não me ficam a bailar na anca como se fosse uma bailarina exótica.
Tenho de mandar apertar isto. E depois é bom que não volte ao mesmo porque não ganho p'rás costureiras.

Mas para aqueles que querem emagrecer e não sabem como, vou fazer um pouco de serviço público neste blogue e dar uma receita infalível.

Vão lá buscar um bloco de notas e uma caneta que eu espero...

...

Vá, que vale a pena.

...

Não precisa de ser um bloco, basta um papel.

...

Uma folhinha que seja...

...

Já está?

Então cá vai...

...

Ehpá, se vocês soubessem como isto é grande... eheheh

...

Bom, concentração...

...

Cá vai...

...

Estão prontos?

...

Isto é uma receita infalível daquelas que alteram o curso da história...

...

Ora bem...

...

Para emagrecer basta...


FAZER EXERCÍCIO.
NÃO COMER MERDA.


E é isto, basicamente.
Acaba por não haver grande mistério.

Se um tipo abdica das coisas que mais gosta (quem disser que é da família e dos amigos está a mentir porque no fundo todos sabemos que o que mais adoramos é cervejola, vinhaça, queijos e fritalhada até termos de amputar dedos por causa do ácido úrico), se é preciso abandonar tudo o que é bom... Efectivamente é! Porque a vida não presta. Só mesmo por isso.
E como se virar a cara a tudo o que é belo e saboroso neste mundo não chegasse é preciso correr, sofrer, suar como um beduíno ao sol e dedicar largas horas à nobre arte do masoquismo.

É triste mas é a mais pura verdade.

No final de tudo, contas feitas, não vale assim tanto a pena.
Ser magro é praticamente como ser gordo mas com menos risco de enfarte do miocárdio. O que até torna os dias mais emocionantes, diga-se.
No entanto, já que aqui cheguei acho que vou cá ficar mais um bocadinho. A ver as vistas e a apreciar ter menos quinze quilos no bandulho porque a cada passo na rua é coisa para fazer a sua diferença.

Bom, por esta altura o texto do saguim já se assemelha perigosamente a um artigo da revista Cosmopolitan... O melhor é dá-lo como terminado.

Prometo continuar a trabalhar no livro que prometi.
E pode ser que muitos de vocês ainda sejam vivos quando ele sair.

Haja saudinha... Eheh

Thursday, August 9, 2012

Fechado para publicação


Então o que se passa é o seguinte: já faço isto há uma série de anos e, ao longo do tempo, julgo que fui melhorando, encontrado os meus temas e sobretudo o meu tom. Continuo a escrever uns textos melhores e outros piores, como em tudo na vida, mas a verdade é que o trabalho se tornou consistente e, quer se goste ou não, uma alternativa de leitura de humor na net.

Criei a regra de só dizer a verdade (embora a mesma seja muitas vezes evidentemente exagerada) e é ela que me tem dado sempre assunto para escrever.

Há uns meses comecei a sondar editoras porque achei que tinha chegado a altura de publicar um best of em livro. No entanto, recebi muito poucas respostas e nenhuma favorável.

Assim sendo, e porque me recuso a recorrer a vanity presses (por causa de um assunto sobre o qual um dia ainda irei falar), decidi avançar para a autopublicação e começar a trabalhar no livro d'A Hora do Saguim.

O blog vai estar parado algum tempo, durante o qual criarei material novo em exclusivo para o livro, mas irei postando as novidades.

Penso que vai valer a pena. ;)

Monday, July 16, 2012

Raisparta os putos!

Malta nova.
Não aprecio.

E digo isto com plena e total consciência de que só tenho vinte e nove primaveras, atenção. O problema é que, ao mesmo tempo, sinto que já sou idoso há um ror de anos, como aqueles putos que mal nascem e já são sócios do Benfica. A verdade é que se tiver de escolher entre seniores e juniores normalmente não hesito: ponho um comprimido para a tensão debaixo da língua e visto a camisola da terceira idade mais depressa do que lhes leva a pegar no andarilho.

Nota-se muito que estive no Optimus Alive? Pois estive.

É épica e crónica a minha dificuldade em oferecer prendas à minha mulher. Nomeadamente ao nível da escolha. No passado escrevi sobre isso neste post e lamento imenso dizer que, para não variar, TODAS as idiotices que lá referi são a mais pura verdade. É verdade também que com o tempo comecei a prestar mais atenção às pequenas dicas que ela me dá, aos mais singelos pormenores nas conversas que me podem dar ideias de coisas para lhe oferecer nos anos e noutras ocasiões especiais. No Natal passado foram os bilhetes para o Alive. Como ela estava sempre a dizer que nunca tinha ido e gostava muito de ir, aqui o super-alarve foi logo fazer despesa e comprar bilhetes de três dias. Mesmo à lambão, de peito feito. Sem a mínima noção do que estava a fazer...

Com o passar dos meses, confesso que o cartaz não me seduziu por aí além. Mas, lá está, eu nesta história era apenas o acompanhante... O presente era dela e ela tinha melhor impressão do alinhamento do que eu.

Quando a data de início começou a aproximar-se percebi que três dias seguidos, a uma média de oito horas por dia, quase sempre em pé e em contacto directo com multidões era coisa para cansar um bocadinho... É que, nos dias que correm, não sou aquilo a que se pode chamar um "animal da noite". Quer dizer, não nego que não hajam semelhanças evidentes entre mim e uma coruja... Principalmente, de manhã quando acordo. O que quero dizer é que já não sou um tipo que aguente muito na chamada "night", a beber shots como um desgraçado ou a curtir até de manhã no Lux. Quando muito posso ir para a cama com a revista Lux e estar ali a folheá-la uns quinze minutos até começar a fechar os olhos. Mas enfim, acho que já estou a ser deprimente que chegue.

Portanto, sexta-feira passada lá estavamos nós a iniciar a odisseia.
Ao olhar novamente para o cartaz reparei que grande parte das bandas eram inglesas. E escusado será dizer que fiquei logo mal disposto e com vontade de me ir embora...

Numa altura em que o país está em crise, os nossos artistas estão praticamente ao abandono e existe uma necessidade evidente em realçar os valores nacionais e fomentar o orgulho lusitano, não haviam bandas americanas disponíveis?! Tivemos de importar tudo da Grã-Bretanha?! Acho mal.

Mas, feliz ou infelizmente, não foi só a música que veio das terras de sua majestade. Já que estavam com a mão na massa aproveitaram e trouxeram também uma catrefada de bêbados que isto nunca é demais contar com malta de qualidade. E atenção que eu há uns tempos atrás também era bêbado, por isso sei do que falo. Quer dizer, não era bem bêbado, às vezes bebia uns copos. E invariavelmente ficava alcoolizado, como qualquer jovem a experimentar novas sensações pela segunda, terceira ou vigésima nona vez. Mas pagar umas boas dezenas de euros para ver os concertos de rojo e de nariz enfiado no próprio vómito parece-me demasiado idiota para ser verdade. Mas já voltamos aos amantes da pinga...

No primeiro dia, para mim, não houve muito a assinalar. Reparei que aquilo estava à pinha com hipsters, o que dá sempre um interessante e patusco colorido a qualquer festival. Para citar uma conhecida marca de telecomunicações nacional: "há uma linha que separa" um hipster de um palhaço. E essa linha é, na maior parte das vezes, muito mas muito ténue. Basta colocar um bocado de pintura facial para se passar de um para outro (isto porque o nariz batatudo e vermelho uma boa parte deles já consegue depois de um ou dois martinis).

De resto, foi tudo um pouco morninho.
Houve coisas que gostei e outras que nem por isso, como em tudo na vida. O ponto mais baixo (porque tem sempre mais piada do que o ponto mais alto) foi mesmo o concerto abjecto de uma coisa que eu não entendo e que responde pelo nome impronunciável de LMFAO. Eu assisti a isto do princípio ao fim para tentar compreender se era eu que era burro ou se aquilo é mesmo ridículo. Admito que eu seja um bocadinho burro mas PORRA se aquilo é ridículo! Dá a ideia que as carrinhas com os adereços dos tipos foram roubadas e tiveram de ir comprar tudo à pressa ao chinês. Ele é calças coloridas, ele é bolas de praia, ele é bichos insufláveis, ele é um tipo deprimente com uma caixa na cabeça... Parece "Malucos do Riso" com anfetaminas e a malta adora. A malta nova, claro está.

Ao que parece os LMFAO são dois mas só lá estava um. Não sei se o LM (talvez a sigla de Luís Miguel, não posso garantir) se o FAO (aqui perco-me completamente). Mas em vez de dois idiotas de cabeleira afro em palco estava apenas um idiota de cabeleira afro... em palco. O circo instalou-se do princípio ao fim e, à minha frente, um puto que me parecia o seleccionador Paulo Bento se o mesmo fosse anão e deficiente da cara abanava-se vigorosamente agitando a cabeça para trás e para a frente como se a sua vida dependesse disso. Quando não estava a fazer a sua dança do pica-pau, o imberbe sorvia cigarros uns atrás dos outros, com uma sofreguidão abestalhada. A rapariga que estava atrás dele e que já tinha idade para ter juízo, apesar de aparentemente estar a apreciar aquele espectáculo insano, estava muito irritada com a atitude imatura e bruta do rapaz. Isto enquanto os elementos da "banda", apenas com tangas coloridas a separá-los da nudez total, abanavam a zona pélvica com uma brutalidade estonteante. Enfim, foi com este tipo de incongruências na mente, e com as primeiras dores nos pés e nas pernas que fui de comboio para casa...

Apenas para voltar no dia seguinte! Já menos fresco e enérgico do que no dia anterior.
No Sábado, e como gosto muito dos The Cure (uma banda que, lá está, não é propriamente de "malta nova"), plantei-me às sete e meia da tarde defronte do palco principal e só saí de lá por volta das três da manhã. Portanto, acho que não preciso de referir que, ao longo das horas, experimentei um tipo de sofrimento primitivo e profundo como nunca antes. Uma espécie de morte lenta e dolorosa que parecia querer arrastar-se para a eternidade. Isto enquanto ia batendo palmas no final das músicas para agitar as artérias e evitar o ataque cardíaco que parecia iminente.
Pontos negativos deste dia: lá está, o raio dos bêbados. Quando finalmente começou a banda que eu realmente queria ver, depois de ir furando aos poucos até à linha da frente, apareceu um que estava com ganas de beijar as pessoas à força. Pelo sim pelo não, cerrei logo o punho para lhe pregar um "xoxo" caso quisesse armar-se em esperto comigo. Felizmente não lhe deu para aí. Achou mais inteligente colocar-se à minha frente a atirar a cabeça em todas as direcções, na onda daqueles cãezinhos de cabeças baloiçantes que os bimbos têm nos carros mas caso o bicho estivesse no meio de um tufão. Comparado com aquilo a dança basculante do puto anão do dia anterior, era brincadeira de crianças. Eu a certa altura, e farto de me desviar das cabeçadas do bebedolas agarrei-o pelos ombros e gritei-lhe "TAKE IT EASY!" ao ouvido. Mas isso não impediu que o gajo continuasse a fazer merda e me impedisse de ver o concerto em condições.

A dada altura apareceu outro ainda mais bêbado do que o primeiro.
Mesmo quando eu achava que a situação não podia piorar.

Ficaram amigos instantaneamente e começaram a abraçar-se e a trocar juras de amizade eterna. Estava a acontecer um espectáculo dentro do próprio espectáculo e não quisesse eu naquela altura que ambos morressem afogados em gin, ficaria muito contente. Entretanto o primeiro bêbado, como que por milagre, acalmou com a presença do segundo. Isto foram as boas notícias. Mas o segundo bêbado ganhou ainda mais vigor através do contacto com o primeiro. Isto foram as más.

Tanto vigor que a dada altura tive de agarrá-lo pelos ombros e gritar-lhe "TAKE IT EASY!" ao ouvido. O tipo pediu-me desculpa e ofereceu-me um gole da garrafa dele. Eu pedi apenas que me deixasse ouvir a música em paz. Não contente com a minha recusa, o supremo embriagado ofereceu-se para me carregar em ombros. Queria que eu me sentasse nas suas costas para assistir ao espectáculo "no primeiro andar". Assim como quem oferece um cachimbo da paz. Eu podia ter-me aproveitado do estado ébrio dele para transformá-lo numa espécie de acordeão humano. Quem me conhece sabe que não sou propriamente um peso pluma... E que bastava assentar o traseiro no pescoço do camóne para ele passar a jantar por uma palhinha para o resto da vida. Mas enfim, decidi ser o "bigger man" e voltei a declinar a oferta, mantendo-me à espera que o coma alcoólico o pusesse fora de jogo. 

Acerca dos The Cure dizer que o Robert Smith parece uma das bolas de cotão que apanho quando aspiro a sala mas que ainda assim está em boa forma. Digo musicalmente porque à primeira vista parece a madame Min. Por isso, acabou por valer a pena toda a sevícia física a que me sujeitei e o convívio próximo com jovens pinguços.

Enfim, fiquei tão destruído ao nível dos membros inferiores que no Domingo pouco aguentei. Deixei os Radiohead a tocar sozinhos e fui-me embora para o vale dos lençóis. De certeza que eles deram por isso e se calhar levaram a mal mas como quando me ponho a cantar no duche também não os vejo por perto acho que também é justo que provem do seu próprio remédio.

Além disso, fiquei com os índices de malta nova demasiado elevados no sangue.
As próximas semanas vão ser corridas a saladas para limpar isto. Saladas e uma hora de RTP Memória por dia para restaurar o equilíbrio aqui do campeão.

Friday, June 15, 2012

Venha o diabo e escolha

Eu devia ser estudado.
E acreditem que não digo isto com orgulho...
Eu devia estar preso num laboratório, 24 horas por dia, com indivíduos a analisarem-me as ondas cerebrais, a estudarem as minhas reacções a estímulos variados e com tailandesas a darem-me massagens com óleos e bálsamos. Ok, a parte das tailandesas era só para minha autorecriação. Mas ainda assim, o estudo aprofundado da minha psique seria um bem maior para a sociedade.

A questão essencial, essa, é permanente: "Porque é que eu continuo a fazer mal a mim próprio?"
Esta minha tendência para a autodestruição começa a preocupar-me. E atenção que não falo de interesse no suicídio ou de visionamento contínuo de filmes do Manoel de Oliveira... Falo das trapalhadas constantes que começam, a pouco e pouco, a dar cabo de mim.

Hoje acordei às 7 da manhã para ir ao ginásio.
Sim, eu sei que há coisas mais impressionantes do que essa, mas ainda assim custa-me acordar tão cedo pela simples razão de que me deito sempre tarde. Eu sei que me podia deitar também cedo mas um indivíduo como eu, que tem responsabilidades para com o país e o mundo, ao nível da cultura e da alta finança, não se pode dar ao luxo de descansar muito. Isso e porque costumo ficar a pastelar no computador até doerem os olhos. O problema é que a minha mulher também quer ir ao ginásio dela (hoje em dia deixam-nas fazer tudo) e prefere fazê-lo antes do trabalho. E como costumamos ir juntos para Lisboa não me restam grandes alternativas do que ir com ela e fazer com que os nossos horários coincidam. No entanto, atenção: prego-lhe sempre duas ou três lambadas a meio da A5... Só para marcar a minha posição e para que não me confundam com um choninhas que constrói as rotinas com base nas da cara metade.

Bom, hoje foi o meu primeiro dia no ginásio novo.
Não que não gostasse do meu ginásio antigo, como provam aliás este e este post, mas o facto de ter vindo trabalhar para Lisboa fez com que o outro local ficasse um bocado fora de mão. Desejo o melhor para o puto dos seios copa D, assim como a todos os outros idiotas de merda, mas a vida obriga-me a seguir em frente.

O ginásio novo...
A caminho de Lisboa no lugar do passageiro, ainda meio a dormir, engoli um iogurte e uma banana para me ajudar a suportar o exercício matinal. Isto enquanto segurava também no GPS (que a patroa não sabia ir dar ao meu ginásio), o MP3, o papelinho com o código para entrar no raio do sítio, a mala, os óculos de sol e a carteira. Portanto, antes das 8h já eu realizava um bonito espectáculo de malabarismo em plena avenida marginal, arriscando-me a mastigar o MP3 ou a digitar a morada na casca da banana. Portanto, um imbróglio do catano.

Chegados à capital, deixam-me à porta do tal sítio e fico logo muito impressionado.
É um conceito novo de ginásios low cost mas com muito bom ar, em que o preço baixo vem precisamente do facto de terem o mínimo de pessoas a trabalhar lá... Um pouco como aqueles motéis que se pagam com o cartão no parque de estacionamento e só se sabe que lá estivemos quando a esposa ou esposo descobrem o talão do multibanco. Pelo menos uma ou duas pessoas que lêem este post sabem do que estou a falar.

Bem, mas cheguei à porta de entrada, carregado com o saco do ginásio, a marmita do almoço, a mala, o MP3, os óculos de sol, a carteira e o papelinho (o GPS e o lixo do pequeno almoço ficaram no carro), portanto com o look "sem abrigo" totalmente a funcionar, cheguei à entrada e deparei-me com o quadro onde deveria digitar o tal código. Desdobrei o papelinho p'ra topar o número e digitei-o uma vez. Não abriu. Outra vez. Voltou a não abrir. Isto enquanto indivíduos passavam para dentro e para fora do local, olhando-me de lado e fazendo caretas ao meu aspecto de vendedor ambulante. Outra vez. Não abriu. Quando começava a ficar desesperado e a ligar à minha mulher (não que ela me pudesse ajudar mas era só para poder reclamar com alguém) apareceu um segurança que me perguntou o que se passava, posso jurar, com uma mão já na lata de gás pimenta não fosse o diabo tecê-las.

Expliquei-lhe que estava há demasiado tempo a colocar o meu código de seis dígitos no painel e que não conseguia abrir a porta.

Ele ficou a olhar para mim sem dizer nada.

Eu olhei uma vez mais para o papelinho.

Percebi que estava a digitar o código errado...

"6 NÚMEROS E ESTA BESTA NÃO CONSEGUE ACERTAR COM TODOS!!!", pensei eu.

Mas não dei parte fraca.

Sem alterar a expressão facial, voltei a digitar o código e desta vez a porta abriu.
Ensaiei um "ATÉ QUE ENFIM!", irritado, e olhei para o segurança abanando a cabeça como quem diz "Estas máquinas podem ser muito modernas mas só trabalham quando lhes apetece..."

O segurança não mudou a sua expressão facial.

Depois, deu-me as boas-vindas tratando-me pelo nome, porque quando se digita o código aparece o nome num ecrã qualquer que não vi onde estava, e começou a mostrar-me as instalações do ginásio, apercebendo-se de que era a minha primeira vez. Sala após sala percebi onde estava tudo, como tudo funcionava e estava pronto para começar a treinar. Pronto e entusiasmado, diga-se.

Assim, eu e a minha panóplia de tralha dirigimo-nos aos balneários e comecei a tirar as coisas do saco e a colocá-las no cacifo. Marmita, mala, carteira, óculos de sol e papelinho directamente lá para trás, começar a despir, começar a tirar as coisas do saco...

Ora, ténis... check!

Toalha... check!

Chinelas e roupa interior... check!

Completa e total ausência de calções e t-shirt para treinar... check!

...

O QUÊ?!

...

Tinha-me esquecido da merda dos calções e da t-shirt...

...

COMO ERA POSSÍVEL?!

COMO É QUE EU TINHA CONSEGUIDO SER TÃO ESTÚPIDO?!



MAIS IMPORTANTE DO QUE ISSO: PORQUÊ?!!!!!

...

...

Agora, lá estava eu, meio despido, a olhar fixamente para um saco do ginásio meio vazio e a suar abundantemente da testa.

O cacifo já cheio com as minhas traquitanas.

E eu a avaliar esta merda toda sem saber o que fazer.

O ginásio completo de malta que de certeza que estava a topar perfeitamente a situação e a gozar o prato.
Eu bem os ouvi a rir...

O segurança lá fora, convencido de que eu iria treinar pela primeira vez.

Desespero...

Olhei para o que tinha e passou-me pela cabeça ir treinar enfaixado na toalha como um faquir.

Mas cedo concluí que a retirada era a solução mais sensata e menos dada a atrair ainda mais estupidez. Fingi receber uma chamada importante de trabalho e, arrumando as coisas mais depressa do que a Selecção Portuguesa no Euro, dirigi-me para a saída de telefone na mão e sorriso nervoso no focinho. Passei pelo segurança que estava a falar com uma pessoa qualquer e não tive a oportunidade de lhe dar qualquer explicação. Apenas lancei um grunhido surdo e dei corda aos sapatos dali p'ra fora.
 
Não sem ter deixado com certeza meia dúzia de pessoas a pensar que:

A) sou um terrorista que, às claras, deixou lá meia dúzia de bombas e saiu a correr

B) sou um fervoroso homossexual que paga as quotas no ginásio só para ver os homens nus no balneário

C) sou um palerma que não sabe preparar o saco de treino


Sinceramente, venha o diabo e escolha...

Monday, June 11, 2012

A única verdade

Fui ontem ver o Prometheus, o filme que tem feito brotar toda uma panóplia de emoções entre o público cinéfilo. As emoções são muitas mas, a avaliar pelo que se tem escrito na net, poucas delas são positivas: temos desde a indignação ao ódio, desde a raiva ao agastamento e, às vezes, até um piscarzinho de olhos ao desprezo. 'Tá tudo com vontade de dizer das boas ao Ridley Scott ou até, para compor o discurso, de lhe mandar uma chapada na tromba. Eu, que nunca engracei com o senhor Scott, excepto nos incontornáveis Alien e Blade Runner, claro está, também estou consternado. Mas mais por solidariedade à malta do que por outra coisa qualquer. É que o senhor Scott é só um e a turba consternada é, como o próprio nome indica, uma turba! Como tal, eu na dúvida estou sempre do lado daqueles que me podem aleijar menos em caso de descontrolo.

Se eu gostei do filme? Por acaso até gostei bastante.
Se o Ridley Scott já me fez algum mal? Por acaso até fez. Nomeadamente nas vezes que gastei do dinheiro que me custa a ganhar para ver as inúmeras banhadas do menino. Mas pronto, todos os males do mundo fossem esses...

Desta vez, o desgraçado prejudicou-me consideravelmente menos do que à maioria das pessoas, admito. Mas ainda assim conseguiu deixar-me preocupado com a porra do filme. Preocupado, leram bem.

A preocupação é muito simples: depois de visionar uma película em que uma equipa de cerca de dez pessoas parte em busca do segredo da Humanidade e dá de caras com um rico e completo bouquet de mostrengos extraterrestres, de tempestades de sílica e de naves gigantescas daquelas que esmagam (sim, até parece que nunca viram nenhuma...), cheguei à conclusão de que basicamente não estou preparado PARA NADA.

Aquela malta corre, salta, anda ao soco, rebola, corre outra vez... e tudo isto dentro de uma espécie de fato de astronauta ou lá o que é! Há uma tipa que chega ao ponto de se meter dentro de uma cabine p'ra tirar uma lula do bucho à base de pinça e tudo (uma pinça daquelas que há nas máquinas dos snack-bares e que comigo nem uma merda de um peluche conseguem sacar), e a mulher consegue esta proeza sem perder a estaleca para correr, saltar e andar ao soco. Portanto isto é malta que sabe. E eu, definitivamente, não sei.

'Tá bem que aquilo é filme. Nem me passa pela cabeça achar que há ali alguma coisa de verdadeiro.
Mas a verdade é que quando vierem p'raí os aliens a abrir caminho "à patrão", determinados a desfazer a Terra com os seus ácidos (que eles andam com ela fisgada já há muito) ninguém vai poder contar comigo para salvar o que quer que seja. Não há dúvida, que o meu perfil é mais o de ser salvo. É para isso que tenho jeito. Mas enquanto houverem damas no mundo, herói nenhum vai desviar-se do seu caminho para safar um indivíduo gordo, careca e barbudo que acaba por constituir um perigo para o próprio salvamento. Para mim é claro como água que seria dos primeiros a patinar...

Eu até tenho andado no ginásio e assim, mas há arestas que não se limam da noite para o dia. E isso prova-se com uma análise mais detalhada...



AS 5 RAZÕES PELAS QUAIS NINGUÉM VAI PODER CONTAR COMIGO CASO ISTO DÊ TUDO P'RÓ TORTO AO NÍVEL DE BICHEZA EXTRATERRESTRE!


1) O fato de astronauta

Nem é por ter excesso de peso nem nada. É difícil encontrar calças que me sirvam por causa das minhas proporções, digamos, fora do comum. Há uma ou outra na C&A mas, por exemplo, na Pull&Bear é bem mais complicado. Ora, em plena invasão alien, e caso seja necessário arranjar fatos espaciais, duvido bastante que a C&A seja consultada para o efeito. E como também duvido que venham tirar medidas a este menino para mandarem fazer a vestimenta num alfaiate julgo que estou definitivamente fora da corrida (até porque a alta costura espacial é uma bonita tradição em desuso porque infelizmente "a malta nova não quer pegar nisto").


2) O ofício

Sou licenciado em design de comunicação mas muito do que faço profissionalmente envolve a escrita. No entanto, e como é sabido, nestas cobóiadas com monstruosidades de outros planetas são os atletas, os militares, os biólogos, os matemáticos e os cientistas em geral que se orientam melhor e que oferecem mais utilidade. Em caso de aperto, não é com certeza um argumento de banda desenhada ou um conto literário que nos vai salvar. Se os aliens apreciarem ouvir contar histórias sempre posso juntá-los em círculo e ler uma das minhas enquanto um qualquer soldado lhes espeta mísseis pelos tentáculos adentro. No entanto, acho essa hipótese muito pouco plausível.


3) Correr


Lá está, tenho exercido actividade física num ginásio mas não sou um corredor de fundo. Em caso de ataque, um tipo tem é de se por "nas meninas" mais rápido do que leva a dizer "CATANO! CUIDADO COM OS DENTINHOS DO MOLUSCO!". Eu sou mais de ir correr para o passadiço que liga o Estoril e Cascais e parar para descansar quando me apetece. Duvido que os monstros respeitassem o meu ritmo de corrida porque boa educação é coisa que não impera em criaturas peçonhentas com manias de dominar o universo. É pena porque acredito que tudo sabe melhor quando feito com cordialidade mas enfim...


4) O asco


Não me interpretem mal, não sou nenhuma florzinha de estufa. Mas digamos que há coisas em casa, e a minha mulher sabe do que falo, que me são particularmente difíceis de fazer. Lavar o caixote do lixo ou limpar a casa de banho dos gatos são duas delas. Tenho nojo. Agora imaginem como reagiria se tivesse um polvo humanóide aos saltos em cima de mim, cheio de baba e ranho, a querer envolvimento físico à base de porrada. Ora, eu nem caracóis como. Seria muito difícil comportar-me como um verdadeiro homem perante tão viscoso cenário...


5) A chamada bulha


E por falar em porrada chegámos ao último ponto da lista. É certo que poderiam haver muitos mais mas não vos quero maçar. Eu não tenho nada contra andar à bulha, pratiquei karate durante muitos anos e havia quem dissesse que era bastante bom. Não há em Trajouce quem se tenha esquecido das minhas performances em estágios. E quem diz Trajouce diz parte da Abóbada. O karate era uma actividade desportiva que eu gostava mas não propriamente por causa da violência. Tanto quanto possível acho que é sempre melhor trocar os tiros e as explosões por um debate aceso moderado por um jornalista credível. O Júlio Magalhães por exemplo. O que se perdia em espectáculo de fogo de artifício ganhava-se em audiências, o que para mim é sempre preferível...



Portanto, e mesmo sem que eu tenha desgostado da coisa, o senhor Scott arranjou mais uma vez maneira de me lixar. Nem por um segundo estas questões abandonaram a minha mente enquanto visionava o filme que era, como todos agora, em 3D. Enquanto devia estar a seguir a narrativa e a conhecer os personagens estava a analisar em qual daqueles rochedos é que eu me escondia se ali estivesse... O que não é cobardia, prefiro chamar-lhe de planeamento estratégico.

Se vierem aí os aliens sou tão inútil como o palhaço Tiririca numa board meeting da Goldmann Sachs. A verdade é esta.

E até ver é mesmo a única verdade.

Monday, May 28, 2012

Ai a minha cabeça...

Há definitivamente 3 coisas que me são difíceis de fazer:


- escalar o Monte Evereste num triciclo.

- aviar um cardume de tubarões à chapada.

- comprar chapéus que me sirvam na cabeça.


Tudo o resto faço sem grande dificuldade, seja qual fora a tarefa.
Mas a verdade é que, no meu dia-a-dia, não insisto na parte do triciclo e muito menos na dos tubarões. Aceito que até aí não consigo ir e tudo bem, não me chateio nada com isso.

No entanto, resiste em mim uma fracção que não se conforma com isto dos chapéus, que acha que ainda vale a pena experimentar às dúzias deles na esperança de encontrar um que cubra este crânio gigantesco. Sei que sou louco por sonhar mas os loucos não se condenam... Quando muito, internam-se.

Aconteceu na passada sexta-feira outro desses episódios inglórios. Eu e a minha mulher decidimos ir ao Alegro de Alfragide com essa missão, certamente alimentada por uma qualquer lenda medieval, daquelas que chegam até nós pelas tradições populares...

"Atrás do sol posto, onde a montanha encontra as bombas de gasolina do Jumbo, irá luzir o último raio de sol que adivinhará o local preciso onde é possível descobrir um tesouro. O pertence mais valioso de todo o mundo, pela qual pereceram dezenas de cavaleiros. Algo nunca visto pelo Homem. UM CHAPÉU QUE REALMENTE CAIBA NO RAIO DA CABEÇORRA DO SAGUIM!!!"

Alguma coisa como isto.

Tenho a dizer que, e como de costume, percorremos uma dezena de lojas e voltámos para casa a apanhar frio na tola (pelo menos de mim falo). No entanto, não foi apenas a dimensão dos vis acessórios que traiu as minhas intenções...

A primeira loja só tinha bóinas cor de rosa. Imagino que seja a última tendência da moda e acreditem que sou tudo menos preconceituoso. Mas como da última vez que vi não era boiola, decidi deixá-las onde estavam.

A segunda loja tinha uma colecção de chapéus que faria o Liberace chorar de inveja. A esquizofrénica mostra de cores e padrões levou-me a crer que o Andrea Bocelli arranjou emprego como consultor estético... Mas, cá para mim, tudo o que o afastar da ópera é digno de ser aplaudido.

Foleirada à parte, tudo o resto (TUDO!), pura e simplesmente não serviu porque os chapéus ou eram pequenos ou a minha cabeça era demasiado grande. Se eu não me importasse de andar na rua à Pato Donald, com uma bóina encavalitada no cocuruto da pinha, talvez tivesse ali um bom leque de opções. Mas como, graças a Deus Nosso Senhor, ainda tenho noção do ridículo e um pingo de vergonha na cara prefiro sempre andar ao natural ou continuar a usar a bóina de sempre (continuo a dizer que foi encomendada à medida e com o pretexto de cobrir um um daqueles balões da Nivea que havia nas praias mas a minha mulher, que foi quem ma ofereceu, jura que não).

Começo a ficar um pouco cansado com este "problema" recorrente. Coloco-o entre aspas porque admito que não é verdadeiramente um problema senão no 1º mundo. Eu estou preocupado em não encontrar chapéus que me cubram a cabeça em condições enquanto que há populações inteiras que se preocupam antes com a manutenção das próprias cabeças. Sei bem que é uma mariquice mas ainda assim... Tira-me o sono.

Cheguei inclusivamente a algumas conclusões:


- Eu sou uma espécie de anão mas um pouco mais esticado. Ou seja, tenho a cabeçorra dum mas mais meio metro do que é habitual.

- Eu não sou careca, tenho a mesma quantidade de cabelo que tinha há dez anos atrás. O que acontece é que a cabeça continuou a crescer e o coro cabeludo não chega para cobrir tudo.

- É o preço que tenho de pagar por toda a genialidade com que sou obrigado a viver. Não basta só ser mega-inteligente, há que ter espaço para alojar os neurónios todos. Era bom que os neurónios fossem como os chineses que cabem às famílias de vinte num T0 mas logo por azar não é assim que funciona.


Enfim, a demanda continua.
Pode ser que encontre um chapéu decente na Amazon ou assim. Ou então sempre posso esperar pelo fim do Rock in Rio e dar um salto à Bela Vista...

... p'ra ver se há algum toldo que já não queiram.

Tuesday, May 1, 2012

A trombeta do Apocalipse

Este que vos escreve tirou uma semaninha de férias para vir descansar a cabeça p'ra Ferrel, junto à praia do Baleal. Este que vos escreve acordou de manhã todo bem disposto e foi comer uma sandes mista ao café mais próximo. De seguida, este que vos escreve recebeu um telefonema a anunciar que o Pingo Doce estava a oferecer 50% de desconto em todas as compras. Assim, e ainda a mastigar meio pão, este que vos escreve zarpou imediatamente para Peniche.

Imediatamente.

Isto porque, e não façamos confusões, este que vos escreve é uma AUTÊNTICA BESTA!

Hoje testemunhei coisas que nunca esperei em toda a minha vida.
Numa só manhã (e início da tarde) vi o pior do ser humano, e atenção que em muitos dos casos não coloco as mãos no fogo pela parte do "humano". Tudo isto in loco e a encher os cofres do estado holandês. Portanto, foi uma manhã em cheio.

Perguntam vocês: - Ó saguim, mas estando tu tão descansadinho mais a tua mulher, o que te deu para te enfiares naquilo que os mais esclarecidos apelidarão eloquentemente como "o olho do cú do inferno"?!

Ao que eu respondo: - Basta pegar na parte que diz "50% de desconto em todas as compras" mais aquela que diz que eu sou uma "AUTÊNTICA BESTA" e fazer a matemática...

Portanto, às 11h já eu lá estava metido.


Ao chegar, apercebi-me logo que já não haviam carrinhos disponíveis. Mulheres disformes com aspecto de peixeiras empurravam aos três e quatro em fila indiana enquanto limpavam o focinho dos filhos emplastrados de ranho. Isto enquanto se esqueciam de limpar o seu próprio focinho, loucas que estavam com a oportunidade divina de levarem duas dezenas de pacotes de papel higiénico a preço de ocasião.

(A sério, e isto é só um aparte... QUAL É A CENA COM O PAPEL HIGIÉNICO?! Ficaram tão excitados com a promoção que deixaram de possuir tónus no esfíncter?! É que aquela malta realmente cheirava a merda mas preferi deduzir que fosse pela falta de higiene pessoal e não por qualquer outro motivo mórbido! De todas as coisas que as pessoas podiam levar a metade do preço, afigura-se-me que o raio do papel higiénico foi o primeiro a esgotar nas prateleiras. Eu sei que é uma coisa que não se estraga e provavelmente foi esse o raciocínio dos génios que decidiram ir para casa a acartar às pilhas de Renova mas ainda assim... Dado o preço da coisa não podem ter feito assim tão bom negócio! Enfim, adiante...)

Assim, dada a ausência dos tão úteis carrinhos de compras eu e a minha mulher contentámo-nos com um cestinho e dois sacos do Jumbo, daqueles mais rijos que nos deram quando fomos tirar o cartão lá deles. Se virem isto como uma traição, azar! Façam também os 50% de desconto se forem capazes e depois conversamos... pode ser que apareça em Alfragide com sacos do Pingo Doce p'ra fazer justiça.

Portanto, com um cesto e dois sacos lá fomos desbravando caminho por entre a turba de sebosos que se gladiava quase à base de chapada por fruta, congelados e produtos de limpeza. Eu sei que não sou nenhum galã, aliás longe disso, mas acho que nunca vi tanta gente feia junta no mesmo sítio. E atenção que já estive uma vez na casa do povo do Cartaxo... Portanto, estão a ver onde está colocada a minha fasquia.

Enquanto a minha mulher saltava de um corredor para o outro com a agilidade de um coelho com hemorróidas, eu rezava a todos os santos para não ser jogado ao chão e espezinhado violentamente pela multidão em fúria que vagueava aos tropeções pelos corredores e esfregava o focinho pelos escaparates até não sobrar nada. Vi malta a sacar coisas das prateleiras só para ter o prazer de as atirar para o lado com um gesto de desprezo, assim como quem diz "podia levar esta bosta por metade do preço mas é tão merdosa que nem me vou dar ao trabalho..." Assisti portanto a uma verdadeira exaltação do ego e um reforço da confiança de centenas de pessoas. Mas isso não chegou para que eu me sentisse contente...

Não se passaram dez minutos desde a minha entrada naquele caos para que me arrependesse solenemente de ali estar. De manhã, a ideia até tinha sido dar um passeio de bicicleta até à praia. Mas foi quando vi diante de mim uma velha com três bacalhaus em cada mão a berrar ensurdecedoramente qualquer badalhoquice para o ar é que percebi que o plano nada tinha já a ver com bicicletas ou com praia... Era o sinal de que a morte estava à espreita. A trombeta do Apocalipse.

Decidi esconder-me no sector do material de escritório, aquele que, curiosamente ou não, era dos menos movimentados. Fiz do inóspito local uma espécie de "toca" da qual espreitava esporadicamente na esperança de ver a polícia de choque a expulsar com bastante violência a terrível máfia de pensionistas, para que eu pudesse enfim fazer as compras descansado. Volta e meia também fantasiava em como seria bom possuir um lança-chamas. Mas era quando a minha imaginação ia longe demais e soltava uma ou outra gargalhada maliciosa que chegava a minha mulher com mais três latas de polpa de tomate que conseguira arrancar à força das mãos de uma mãe solteira.

A malta perdera o tino.

Eu sei que quando digo malta não posso excluir-me... Eu sei que também lá estava.
Também sei que vivemos tempos difíceis e que há que aproveitar mas... fazerem uma promoção destas no primeiro dia do mês, um feriado e ainda para mais no DIA DO TRABALHADOR?! É um convite à mortandade, senhores.  Um convite à mortandade.

Passados singelos vinte minutos já o cestinho e os sacos estavam tão cheios como os olhos da ex-mulher do Paco Bandeira. Hora então de seguir para a fila. E foi aí que começaram os verdadeiros problemas...

Se há coisa que aprendi no Minipreço de Benfica é que todo e qualquer super ou hipermercado é uma bomba relógio à espera de explodir. Eu não quero apontar o dedo a ninguém em especial mas as culpadas são O RAIO DAS VELHAS!!! Elas podem não estar a dizer nada mas estão sedentas de uma boa zaragata, de um bate-boca ordinário, de poderem soltar grosseiramente aqui e ali um "Vai p'rá tua terra!" Parece que não vêem mas vêem. Elas topam tudo. Sabem se avançámos um centímetro na fila das compras, se parece que eventualmente possamos estar a querer passar-lhes à frente, se dizemos qualquer coisa mesmo em voz baixa que lhes pareça incorrecto. Conhecem de antemão quantas pessoas estão nas filas e quantas estão nas caixas. Elas têm uma perfeita noção do espaço, dos indivíduos que o compõem, dos materias que definem a área e de tudo o que é necessário p'ra começar a berrar alarvidades. É uma técnica amadurecida ao longo de gerações.

Assim, pouco depois de ocuparmos o nosso lugar na fila para pagar já a minha mulher improvisava à base de discussão para uma velha que tentava furar à mete-nojo, acompanhada pelo neto que se assemelhava muitíssimo a uma bola de sêbo com óculos. Eu olhei para a velha, que parecia travar um combate mais renhido com a própria dentadura do que com a minha mulher, com aquele olhar pacato de quem não está p'ra se maçar. Não me interpretem mal, naquela fase estava capaz de lhe esmagar o pace maker com o último dos peixes-espada que jazia na secção da peixaria, mas ainda assim contive-me e esperei que o assunto se resolvesse por si só. A minha mulher solicitou a intervenção do cigano que estava à frente, e que empurrava mais a mulher uma caravana de cerca de dez sacos e carrinhos que continham praticamente tudo o que é comercializável na União Europeia, cigano esse que rapidamente meteu a velha no lugar e lhe disse que quem tinha razão eramos nós. Houvesse um destes em cada tribunal e amanhã já o Isaltino ia tomar duche à prisão, a apanhar o sabonete ao som de Gipsy Kings. Mas enfim, como não há é a vergonha que é...

As horas que se seguiram foram de profundo e doloroso sofrimento. Dez minutos de espera, dez centímetros em direcção à caixa, mais dez minutos de espera, mais dez centímetros... Volta e meia a rotina era interrompida por alguém que prendia a minha atenção como uma mulher de meia idade com vestuário amarelo e cabelo pintado de louro que me pareceu muito semelhante ao popular Poupas da Rua Sésamo ou uma outra já com "idade para ter juízo" mas que exibia uma espanpanante tatuagem no fundo das costas que se orgulhava de exibir com orgulho badalhoco enquanto sacava a última garrafa de lixívia dos escaparates... Profundo e doloroso sofrimento.

Chegámos à caixa já com uma vontade primitiva de chorar, depois de horas a ouvir os comentários da velha que nos queria passar à frente, que não parava de convencer a bola de sêbo do neto a mamar à borla tudo o que havia ali p'ra comer. Durante o tempo que ali estivemos o puto comeu uma tangerina, uma banana, um kit kat e uma embalagem de queijadas. Por mim, também tinha comido com uma murraça na tromba mas como ninguém me perguntou nada acabei por guardar as minhas sugestões p'ra mim próprio.

O rapaz que estava na caixa deixou-me estarrecido e, só por si, simbolizava este "Dia do Trabalhador". Permanecia calado, rosto imóvel, olhar vítreo... O gesto mecânico e repetido de passar os produtos pelo leitor de infravermelhos. Uma expressão catatónica que parecia querer explodir em pranto num "FUCK MY LIFE" interminável que só poderia acabar em suicídio. Aquele rapaz possuía nos olhos a tristeza do mundo. Mas nem assim se safou de levar um responso da gerente, por causa do quê não cheguei a descobrir, com o argumento de "Tu estás a trabalhar e nós também estamos. Ninguém sabia que isto ia ser assim..."

Ninguém sabia o quê?!

Primeiro dia do mês.
Feriado.
50% de desconto!

Pensavam que a malta ia entrar organizada e respeitosamente pelos Pingo Doces de todo o país e fazer as suas compras de maneira civilizada e humana? Julgam que estão aonde? em Estocolmo?! E depois o desgraçado do puto que dali só pára no Júlio de Matos ou em Custóias é que tem culpa?!

Enfim, saí de lá pior que estragado.
Por ter decidido passar uma manhã das minhas férias da pior maneira possível e por ter testemunhado as coisas que testemunhei. Esperam-me noites de pesadelos e suores frios que certamente só conhecerão descanso após muitos anos de psicoterapia.

Crash da bolsa americana, 2ª Guerra Mundial, crise humanitária no Ruanda... pr'a meninos!

Duro duro foi o Pingo Doce em 2012.

Wednesday, April 18, 2012

A tarde dos mortos-vivos

Há uma certa atracção mórbida e inexplicável pelos chamados zombies, os mortos vivos a cair aos pedaços que gostam de papar cérebros e povoam filmes e séries. Quando digo "há", claro que não me refiro às pessoas em geral, refiro-me apenas àquelas que apreciam coisas fixes.

Ora bem, eu também gosto deste universo macabro de um ponto de vista ficcional, claro. Há malta mais hardcore que chega a imaginar-se num qualquer mundo pós-apocalíptico provocado por um holocausto zombie, preparados para rebentar com uma cabeça ou duas à base de caçadeira. Mas para essas pessoas há uma ala especial no Júlio de Matos e um copinho de comprimidos a cada duas horas.

Este Domingo, não sei se inconscientemente motivado por esta recente onda de entusiasmo ou por ser apenas parvo, decidi passar a tarde no mais morto-vivo dos shoppings que eu conheço: o Beloura Shopping em Sintra (ou o "centro comercial das moscas" como já ouvi chamar-lhe). Atenção que não quero ser injusto, não estou a acusar o espaço de estar cheio de mosquedo e demais insectame... Neste caso, "moscas" acaba apenas por ser uma metáfora para o facto de não haver por lá quase ninguém.

A verdade é que já não ia lá há algum tempo e, com todos os seus defeitos, há uma coisa que ninguém consegue negar acerca do sítio: é sossegado como um cemitério judeu em Marte. É que não se ouve um pio. E a ausência de "pios" e demais sonoridades irritantes é o que desejamos para o nosso Domingo, cheio de paz e sossego. Lá fomos, eu e a minha querida mulher que se arrepende frequentemente de me seguir sem questionar aos fins-de-semana. Depois de ter visto em casa um daqueles sites de cinema, verifiquei que um dos filmes que queria ver, o "John Carter", estava em exibição nas salas do Beloura e a começar às 15h45. Esperto que nem um alho, e porque não gosto de andar a correr, congeminei logo o programa ideal que incluía almoço, visita a lojas a vulso e visionamento do filmes entre golfadas alarves de pipocas salgadas. Tudo na mais perfeita paz do Senhor.

E foi nessa mesma paz, ou pelo menos numa parecida, que encontrei o parque de estacionamento daquele Shopping. Um parque preparado para receber à volta de 60 viaturas e que continha cerca de 10. Não encontrei motivos para alarme... Aliás, até fiquei contente. Afinal, o que se quer é fugir à maralha e se havia coisa que ali não existia era, de facto, maralha. Na realidade, não me preocupei até entrar no parque de estacionamento coberto. Aqui, num espaço preparado para várias centenas de carros estava apenas a módica quantia de 1... Com um casal de indivíduos visivelmente espantado em avistar a presença de outro ser humano, como dois javalis encadeados no meio de uma estrada à noite a olhar p'ra mim. Dei meia volta e continuei a tentar entrar no recinto do centro comercial.

Digo continuei porque, e não sei porquê, todo o shopping me parece armadilhado. Como se se estivesse a defender de um qualquer exército invasor. Aquilo são corredores que não dão a lado nenhum, portas que não abrem, escadas encerradas, becos sem saída... Tanto que sou obrigado a concluir que só por sorte não me derramaram azeite a ferver em cima, atirado do alto do edifício por uma horda de guerreiros medievais. A parte das escadas é particularmente difícil. Originalmente eram rolantes mas, dada a ausência de público, calculo que a administração do shopping tenha percebido que estava ali uma gastação de energia incomportável. Como é que eles resolveram o problema, perguntam vocês?! Desligando as bichas da corrente e tapando os degraus com uma cobertura de madeira, claro está. Conferindo à escadaria não só um aspecto bastante ridículo mas também uma extrema dificuldade em subir, porque cada um destes degraus tem, como é sabido, cerca de meio metro de altura. Eu sou uma pessoa doente mas ainda consigo dar conta do recado porque sou novo. Agora para velhotes, crianças de colo e coxos é um fartote uma pessoa estar ali ao lado a apontar e a rir. E assim se passa um Domingo bem passado...

Com dificuldade, chegámos à zona da restauração para encontrar três restaurantes abertos, duas ou três pessoas esquecidas pelo tempo e uma imensa tristeza a pairar no ar... A sério, o espaço era tão deprimente que não conseguia deixar de pensar em cachorrinhos orfãos, em esquimós a matar focas bébés à paulada e no Benfica a passar outra temporada só com uma Taça da Liga. Por pouco, não consegui conter as lágrimas. Tendo três soluções à nossa escolha para almoçar, e porque é conhecido o meu faro por tudo o que é merdoso, optámos claramente pela pior. Quer dizer, do lado de fora o restaurante nem parecia mau. Tinha ar de italiano com uma grave crise de identidade. Ou seja, o menu era de comida italiana mas lá dentro era tamanha a miscelânea de cores, imagens e referências que só me apeteceu recomendar-lhe umas sessões de psicoterapia. O empregado, que estava convenientemente mascarado à pinguim, aproximou-se da mesa e apontou os nossos pedidos que consistiam em dois pratos de tortellini. Passados quinze minutos tínhamos na mesa duas saladas. Assim, sem mais nem menos.

Quer dizer, se se escavasse na cebola e no tomate com alguma insistência, mais tarde ou mais cedo o tortellini havia de dar um arzinho da sua graça. Mas ainda assim, pareceu-me pouco e até um pouco insultuoso. Ora, eu não gosto de salada. E como não havia qualquer referência a ela no prato que tinha pedido não achei relevante indicar isso. Por exemplo, ninguém vai a uma marisqueira, pede arroz de marisco e considera fundamental avisar o empregado para não colocar nenhuma cabeça de leitão na panela. Portanto, segundo a mesma linha de raciocínio, fiquei estupefacto com a iguaria que o pateta de paletó me colocou na mesa. Assim, chamei-o, pedi desculpas pelo incómodo e solicitei que me retirassem a salada no prato. De uma forma branda porque também sou pateta, embora não costume usar paletó. E o pinguim assim fez, exactamente como pedi... Levou o prato para dentro e, em menos de nada, voltou a colocar-mo em frente da cara, sem salada mas com a mesma quantidade de massa que tinha inicialmente (o equivalente a uma colher de sopa). No entanto, a avaliar pela quantidade de óleo que escorria pelo tortellini e que daria certamente para pôr um motor de uma avioneta a funcionar, julguei por bem não reclamar, engolir a mixórdia e pôr-me a andar dali p'ra fora.

Afundado em azia, que ao menos impediu que ficasse com fome, decidi ir dar uma volta pelas supostas lojas até ser hora de me dirigir à zona dos cinemas. A parte comercial do shopping não se afigurou menos trágica do que a da restauração, com o número de logistas a ultrapassar largamente o de visitantes. Eu ainda estive para lhes sugerir que fizessem compras nas lojas uns dos outros para ajudar e incentivar o negócio, mas ao avistar as expressões desoladas das suas faces concluí que a esperança abandonou aqueles corações há muito. A cada passo pelos corredores imensos e vazios do Beloura, parecia que ouvia Aimee Mann na sua balada mais triste... E se ali encontrasse uma forca devidamente pronta a usar ainda pensava duas vezes se não aproveitava e dava logo ali por terminada a tarde. Na zona comercial, além de toda a pobreza franciscana há a registar duas coisas: a loja dos animais e a tabacaria. A primeira, não há dúvida nenhuma, é o estabelecimento mais fácil de encontrar em todo o shopping. Não que esteja particularmente bem situado ou sinalizado mas porque o cheiro acre e nauseabundo começa a fazer-se sentir em São Pedro do Estoril. Eu que sou uma pessoa que gosta de animais decidi passar pela frente da loja a correr ao pé coxinho, com dois dedos na boca a conter o vómito e a tentar equilibrar-me com as tonturas. Não cheguei a perceber se o cheiro era dos pobres bichos enjaulados, se da ração que está à venda e que dada à ausência de compradores começa já a ficar podre ou do pobre indivíduo atrás do balcão que dado o aspecto já não devia ver água e sabão há uns anos valentes. Seja como for, fica à atenção da ASAE porque aquilo é um bedum que meu Deus Nosso Senhor... Não pertence a este planeta.

Dado que o filme só começava às 16h e que o almoço, de tão terrível, foi despachado em menos de nada, decidimos entrar na tabacaria para comprar umas revistas e transportar a mente para outros locais melhores. Na montra, havia um aviso que dizia o seguinte: "A CONSULTA DAS PUBLICAÇÕES IMPLICA A COMPRA DAS MESMAS!" Apesar de agressivo, compreendi logo a exigência. É que de outra forma seria impossível controlar os milhares de pessoas que se espezinhavam e agrediam perante os escaparates de revistas amareladas do casebre... Enfim, apesar de tudo eu sabia o que queria e saí de lá rapidamente deixando p'ra trás a minha mulher que ainda ficou a dar conversa a uma velha que lhe queria impingir uns DVD's foleiros.

Enfiei-me na ala dos cinemas como uma lebre em pânico e de lá não saí até ao fim do filme... Filme esse que só começava dali a duas horas.

Comprámos os bilhetes aos vinte empregados que se encontravam no recinto, uns atrás das caixas registadoras a roer as unhas, outros a limpar o chão que não tinha nada p'ra limpar e ainda outros apenas a olhar para o infinito, lamentando a ausência de público e a merda da vida em geral. Antes de nos sentarmos a ler as revistas, decidimos jogar um joguinho de "air hockey" (para quem não conhece joga-se numa mesa esburacada que deita ar, com dois manípulos esquisitóides e um disco, e o objectivo é enfiá-lo no buraco do opositor - salvo seja). Ora, certamente derivado da falta de uso, os manípulos estavam colados à mesa e sempre que os deixávamos pousados mais de cinco segundos voltavam a colar-se outra vez. Ar a sair do tampo, aquilo que confere a velocidade e animação ao jogo, era só de vez em quando, p'ra poupar luz, à semelhança das escadas rolantes de madeira. E foi assim, com as peças de plástico a rasparem na mesa como se estivessemos a afiar um cutelo, numa chinfrineira dos diabos, que jogámos desconfortavelmente entre o desejo de um final rápido e digno, para seguirmos em frente com as nossas vidas.

Posto isto, pegámos nas revistas e fomos para a esplanada. Esplanada essa que tinha, adivinharam, praticamente ninguém. Quer dizer, ninguém humano porque aquilo estava povoado por uma selecção de bonecos à escala real, que variava entre o bizarro e o estúpido. Eu sei que aqueles cinemas fazem parte de uma coisa chamada "CinemaCity" e que é suposto terem estátuas de personagens de filmes a decorar o espaço... mas parece-me que a malta do Beloura se entusiasmou um bocadinho. À entrada dos cinemas temos o Schwarzenneger na pele de Extreminador Implacável a dar as boas-vindas. Até aí tudo bem. Mas depois pelo espaço é um sem fim de palhaçada desconexa que mete astronautas, lutadores de wrestling, jogadores de râguebi, bicharada e tudo mais ao barulho sem critério nenhum... O que me leva a crer que, a dada altura e por alguma razão idiota, alguém tinha aquela lixarada toda no quintal a ganhar pó e, talvez pressionado pela mulher ou pelas autoridades competentes, decidiu levar para lá muito a contragosto.

Na esplanada, tive de ler a minha revista com um dos Blues Brothers sentado a olhar fixamente p'ra mim. Do outro lado do recinto, um dinossauro agachava-se numa posição ameaçadora, fazendo pandilha com uma vaca vestida à cowboy. Uns metros depois, estava o outro dos Blues Brothers de costas para o irmão, dando a entender que alguma desavença terá havido entre eles, com nova vaca, agora vestida à homem-aranha, junto a ele. A encabeçar todo este grupo psicótico, um índio olhava o horizonte, como que vislumbrando uma maneira de escapar e voltar para o Perú. E foi na companhia desta cambada, que num qualquer outro sítio me levaria a marcar de imediato novos exames à cabeça mas que ali me pareceu perfeitamente normal, que esperei com paciência até que o raio do "John Carter" começasse.

Bom, daí p'ra frente não vale mais bater no ceguinho...
Não vou debruçar-me sobre o facto de não haver água p'ra lavar as mãos na casa de banho depois do xixi ou de, inexplicavelmente e na toada "Twilight Zone" que povoa aquele shopping, o cinema ter ficado atolado de criançada até às orelhas de um momento para o outro... Vi o filme, escalei as escadas rolantes de madeira e segui a passadas largas até ao parque de estacionamento deserto enquanto a minha mulher maldizia a sua vida ao meu lado e fazia contas de me assassinar para não ter de voltar a pagar o empréstimo da casa ao banco.

O Beloura Shopping é de facto um zombie comercial e muito me admira que ainda esteja aberto. Não desejo mal às pessoas que lá trabalham, para elas toda a minha solidariedade, mas é certo que aquele espaço não pode estar a dar senão prejuízo. E se não dá ainda mais é porque ainda há fulanos como eu que decidem lá passar as tardes de Domingo. Mas ainda assim, parece-me que tenho de começar a ter mais cuidado com as minhas escolhas num futuro próximo...

A minha mulher é um doce mas não tem sangue de barata.
Já a fiz passar por muito e qualquer dia vira-se a mim.

Acho que vou fazer um workshop com o Paco Bandeira, por causa das coisas...

Wednesday, April 11, 2012

A Maternidade Alfredo da Costa e o Jean Jacques

Às vezes sinto que vivo numa qualquer espécie de paraíso...
Parece que morri algures sem dar por isso e que agora ando a flutuar num sítio calmo e agradável, ao som de flautas de Pan. Assim como uma libelinha mas sem a homossexualidade adjacente.

Na rua onde moro há civismo, há educação, há higiene.
Isto para mim é uma grande novidade, principalmente para alguém que veio directamente da Rua da Venezuela em Benfica. Aí, a par de um vizinho bovino que obtinha uma espécie de prazer mórbido em alancar com estuque nos cornos sempre que eu falava um bocadinho mais alto, tive ainda de aturar os marginais da paragem de autocarro, o violador de Telheiras, o biltre que me riscou o carro sem motivo algum e o indiano que passava o dia inteiro sentado numa esplanada manhosa a mamar imperiais, umas atrás das outras, como se não houvesse amanhã, sem apresentar o mínimo sinal de embriaguez. Isto, entre muitas outras personagens e episódios, convém deixar claro. Benfica foi para mim um misto entre circo dos horrores e musical do La Féria: bimbo, aterrador e, muitas vezes, completamente absurdo.

Se aquela rua fosse um programa televisivo seria com certeza apresentado pelo João Baião, numa das suas farpelas pejadas de lantejoulas, com uma bailarina Mamaré de cada lado. Enfim, um espectáculo degradante, diga-se.

Mas era a isto que eu estava habituado e agora, apesar de bastante feliz, não nego que me faz falta uma certa dose de bizarria no meu quotidiano. É assim como uma pitada de piri-piri no café com leite: não é suposto lá estar mas dá pica na mesma.

Antes de me mudar para Benfica, onde vivi dois anos e meio com a minha querida mulher e onde ia arruinando as nossas poupanças num certo restaurante de sushi (mas isso é outra história...), vivi toda a minha vida na casa dos meus pais perto do Arco do Cego. A rua onde habitávamos era, e é, tranquila, mas tinha também a sua generosa dose de cromos, de indigentes e de malta estranha no geral. Aquilo que em Benfica me irritava profundamente (estava farto daquela canalhada toda!) aqui até me divertia... E acabava por ser combustível para piadas e teatros que fazíamos alegremente em família, mais tarde, quando chegávamos a casa.

Ontem, quando vi a notícia de que o governo queria fechar a Maternidade Alfredo da Costa lembrei-me de uma dessas personagens no limiar da insanidade que ainda mora na rua dos meus pais e que, não sei se feliz ou infelizmente, não mete as patas na praceta onde vivo na actualidade. Um indivíduo chamado Jean Jacques.

Na verdade, ninguém tem bem a certeza se ele se chama assim. Sei que um dia olhei para o interior do carro dele e que havia lá um cartãozinho com o nome... Na altura, pareceu-me francês e como provavelmente me esqueci qual era logo depois de o ler, baptizei-o com um dos maiores clichés gauleses no que toca a nomenclaturas... Portanto, ficou Jean Jacques e ficou muito bem.

O Jean Jacques é um indivíduo já com os seus cinquenta anos que anda TODOS OS DIAS DO ANO, faça chuva ou faça sol, de calções.

Ostenta um corte de cabelo à monge franciscano mas sem a parte da careca. Portanto, uma adaptação moderna do penteado que aparenta ter sido feito com a ajuda de uma malga enfiada pela pinha abaixo. No entanto, e convém fazer-se justiça, ele ainda tem cabelo e eu já não tenho muito. Por isso, apesar de maluco nesse aspecto está-me a ganhar.

O Jean Jacques, há vinte anos atrás, tinha três carros... Passado dez anos já só tinha dois. E neste momento já só tem um, reduzido à carroçaria. O homem aprecia bastante arruinar as viaturas enquanto acredita que as está a "arranjar". Como é que ele as chegou a ter em primeiro lugar dado que nunca trabalhou, perguntam vocês? Algo a ver com uma tia e com heranças... Nunca percebi muito bem mas também nunca me interessou.

O método de "arranjo de carros" utilizado por Jean Jacques era um misto de revolucionário e de idiota. A primeira coisa que fazia era arrancar tudo o que fosse plásticos do interior dos automóveis. Não sei se era uma espécie de fobia pessoal ou se ele achava que os plásticos falavam com ele... A verdade é que assim que lhes punha as unhas, era descascar portas e tablier até ficar só metal. Depois, começava a tapar os buracos deixados pela ferrugem (sim, eram viaturas de qualidade) com o material mais resistente e adequado para o efeito que existia no mercado: o BETÃO.

Mas isto era o que se podia considerar, o ofício de Jean Jacques.

Uma vez, a minha mãe, ainda acreditando que existiam vestígios de sanidade naquela cabeça de falso franciscano, pediu-lhe que lhe aplicasse umas escovas novas no limpa pára-brisas do carro dela. E ele, chegando-se à frente com uma voluntariedade ímpar, partiu-lhe aquela merda toda num abrir e fechar de olhos. Era assim que ele operava, e era assim que as pessoas o conheciam.

Nos tempos livres, Jean Jacques fazia sempre o mesmo: fazer surf e coleccionar lixarada. Era um homem de paixões simples mas sempre de uma grande entrega.

Muitas e muitas vezes o vi agarrado a uma prancha a caminho da camioneta que o levaria à Costa da Caparica. Vivia maravilhado com a claridade das dunas, o cheiro a maresia, o embalar quase materno da ondulação. Ele não se coíbia de nos falar deste seu amor até aos nossos ouvidos fazerem sangue... Era chato comá putaça, graças a Deus. Quando nos apanhava na rua começava uma conversa do nada, como se tivessemos acordado de um transe e estivessemos já a meio de uma discussão que durava há horas. Falava-nos dos infinitos benefícios do surf e o bem que lhe fazia à saúde. Quando estava bom tempo era do melhor e quando estava frio ele não se atrapalhava. Levava vestidas duas camisolas de lã grossa por causa das coisas. E a verdade é que nunca o vi constipado.

A prancha, essa, tinha de ser de esferovite. Só material do melhor para este menino.
Caso contrário podia fugir do seu controlo e bater-lhe com força na cabeça... E se há coisa que Jean Jacques não podia arriscar perder era aquilo que ele acreditava ser o seu bom juízo.

Havia quem dissesse que o homem não apanhava camioneta nenhuma, que era tudo mentira. Ia com a prancha até ao jardim da Casa da Moeda e lá ficava sentado num banco a tarde toda a falar com os polegares. Mas lá está, nunca pude comprovar portanto até ver não passam de boatos.

Se o surf tinha este importante papel na sua rotina já recolher lixo dos passeios não era digno de menor afecto. Consegui espreitar um dia pela janela da sua casa e havia tralha até ao tecto. Cartões, electrodomésticos usados, caixas, peças de todos os tamanhos e feitios... havia de tudo naquele barraco menos uma limpeza semanal. Muitas e muitas vezes vinha ele da feira da ladra carregado de computadores velhos e de livralhada, coisas que ele inventava para gastar o dinheiro. Gostava de falar das suas invenções e das suas ideias inovadoras. Ideias essas que eram invariavelmente um suceder alucinante de palhaçada.

Um dia, apareceu na rua com a cara coberta de natas a pingar para o chão. Aproximou-se orgulhosamente dos meus pais a dizer que aquilo fazia muito bem à pele, que era uma espécie de projecto que ele estava a desenvolver. Era com este tipo de assuntos que ele gostava de abordar as pessoas e deixá-las num misto de desconforto e pânico.

Outra altura houve em que Jean Jacques apregoava as virtudes de "andar" na saúde humana. Tinha lido uma qualquer entrevista com a Rosa Mota (sim, porque nada melhor do que uma criatura que se assemelha a um esqueleto ambulante para servir de guru da "boa vida") e que, de acordo com as suas contas, todas as pessoas deviam andar cerca de 18 horas por dia. E batia-se com esta estupidez como se a sua existência dependesse disso... Abençoado.

Ora, quando vi na televisão que tencionam fechar a mais emblemática maternidade lisboeta, e quem sabe do país, o meu pensamento imediato foi: "MAS COMO É QUE O JEAN JACQUES CHEGOU AO GOVERNO?!"

Porque isto cheira-me a ideia genial lá do bicho.

Ou dele ou de indivíduos do mesmo calibre...
Mas enquanto cidadão não escondo o meu desconforto em ser governado por gente que na intimidade enche a cara com natas, se lança ao mar com pranchas de esferovite e emplastra chaços com cimento... Se é para perdermos de vez a identidade nacional então mais vale fazer algo ainda mais revolucionário como prender de vez governantes criminosos como Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro ou Isaltino Morais... Isso sim, era caso para pararmos tudo e chegarmos à conclusão que estávamos a deixar de ser Portugal. Agora fechar o raio da Maternidade, às tantas nem a besta do Jean Jacques nos seus sonhos mais mórbidos se lembraria de tal coisa.

Neste momento, vivo num sítio demasiado normal mas não nego que sinto falta de pequenas idiossincrasias inofensivas... Não encontro idiotas na minha rua mas basta ligar a televisão e lá estão eles. A decidir por mim e pelos meus, muitas vezes contrariamente àquilo que prometeram.

Assim, antes o Jean Jacques que não fazia mal a ninguém...
Excepto à minha mãe que teve de comprar uns limpa pára-brisas novos.

Friday, March 9, 2012

Melhor assim

Há uns meses atrás, confessei neste mesmo blog, nomeadamente aqui, que tinha começado a ir ao ginásio. Não que este invólucro estupendo a que chamo de corpo não seja já de si perfeito mas enfim, cheguei à conclusão que uma boa maneira de gastar o tempo livre era correr em cima de um tapete rolante que não sai do sítio e acartar com pesos que não precisam de ir a lado nenhum. É portanto deste nível de estupidez que estamos a falar.

Ok, estava um bocado gordo e resolvi tomar uma atitude. Neste momento continuo gordo mas ao menos estou mais rijo. A olho nu pode não fazer grande diferença mas a mim dá-me grande satisfação saber que agora já posso ir para a frente das manifestações chamar nomes feios às mães dos polícias sem que as balas de borracha me aleijem. Não é coisa que alguma vez tenha feito ou que tencione fazer mas ainda assim... agora é uma hipótese.

A brincar a brincar já lá estou há mais de meio ano, a ir duas vezes por semana, e já consegui que o monitor me tratasse por tu (para perceber esta, lamento mas é mesmo preciso ler o texto anterior). Não sei se ele foi à minha ficha e percebeu que não nasci nos anos sessenta como originalmente pensava ou se os meus esforços por usar o vocabulário da malta nova deram resultado. Se assim foi, os meus agradecimentos aos génios criativos que inventaram palavras como "Mámen", "baril", "tótil" e "fónix". Bem hajam.

Ora, como em todos os sítios, há coisas que gosto e outras que não gosto no ginásio que frequento. Gosto do sentimento com que fico depois de sair de lá. Não aquele com que vou para lá, não tudo o que sinto durante o tempo de tort... de exercício mas depois, quando já estou com a malinha às costas e a abandonar o edifício. Saio sempre com uma noção de dever cumprido, como se tivesse desmantelado uma bomba num orfanato cheio de focas bebés do Ártico. Também orfãs, claro está. E a magia da coisa é que não preciso de fazer nada tão complicado para ficar com aquele sentimento de "campeão". Basta-me passar hora e meia a arfar como um boi cavalo e a questionar-me se o formigueiro no braço esquerdo é a morte que se aproxima ou apenas comichão. Portanto, isto é claramente um aspecto positivo.

Claro que há a saúde e todas essas paneleirices... Mas como eu acredito que daqui a vinte anos vamos ser todos metade robôs, tendo substituido as partes podres do nosso corpo por maravilhas da tecnologia capazes de as imitar e até superar, não é com certeza por isso que me presto a todo aquele sofrimento. E digo sofrimento porque aquilo que eu passo não se limita apenas às sevícias auto-infligidas... Não há minuto de treino que não esteja a odiar alguém. Sim, ODIAR.

Sei bem a força que a palavra tem e também sei que não há grande razão para ser aplicada a desconhecidos, a menos que tenham feito mal à nossa família ou sejam adeptos do FCP. Mas a verdade, e não me orgulho disso, é que realmente aquela malta me dá a volta aos nervos... E principalmente um indivíduo em particular...

Antes de mais, que fique bem claro que não tenho absolutamente nada contra a homossexualidade. Aliás, acho que já aqui o referi várias vezes. Só há duas coisas que me enervam na onda gay: quando há palhaçada e quando o sujeito ou sujeita em questão não são necessariamente gays mas fazem toda uma panóplia de coisas dessa mesma natureza sem se aperceberem. Assim, segundo este contexto, aqui vai uma pequena lista de coisas que me enervam no tipo que vos falo:


- o corte de cabelo à bailarino (aquele que é mais curto dos lados e deixa uma franja frisada a bambolear à frente dos olhos, como se se transportasse um esquilo morto emplastrado na testa).

- a musculatura desnecessária (já não ambicionamos tomar terras aos mouros, é preciso que se saiba...)

- a camisola de alças de spandex.

- o facto de estar sempre acompanhado por dois outros indivíduos consideravelmente mais enfezados, para quem com certeza é qualquer coisa de Deus Apolo.

- o facto de monopolizar durante horas duas das máquinas que estão no meu plano de treino.

- a estupidez característica da adolescência.

- os seios.


...


Sim, os seios.

Não se enquadra com o resto da descrição, pois não? Mas é verdade, meus amigos.

O rapaz faz concorrência à Samantha Fox nos seus anos dourados.
E isso provoca-me muita espécie.

Calculo que haja uma fase durante o crescimento, principalmente naquele que envolve treino de musculação diário como o imberbe faz, em que se chega a um ponto em que se tem de optar entre continuar a desenvolver os músculos do peito ou procurar emprego como ama de leite. Se fosse eu escolheria a primeira opção, mas ele claramente optou pela segunda.

Seios!

Atenção que estou a falar de copa D para cima. E cada mês que passa a coisa piora um pouco.
Neste momento, e só à conta dos pesos, o rapaz pode orgulhar-se de ter mais mamas do que a Cameron Diaz, a Keira Knightley e a Kylie Minogue todas juntas. Agora pensando bem, talvez isso não seja bem motivo de orgulho mas ainda assim não deixa de ser verdade.

Seios!

Escusado será dizer que com a costumeira camisola de alças de spandex, e tendo a sensatez e a vergonha na cara de ainda não usar sutiã, aquilo salta e pulula à vista de todos num espectáculo de luz e cor a que nenhum ser humano com um pingo de bondade no coração devia ter de assistir.

Mas o rapaz gosta do look. E, ao que parece, aqueles que o acompanham também gostam.
Mal ele chega ao local de treino assenta logo arraiais nas duas máquinas que me interessam, com os companheiros aos pulinhos atrás de si. Como tem a compleição física de um gorila prateado trata logo de apetrechar os halteres com qualquer coisa como uma meia dúzia de toneladas de cada lado, perante a excitação dos tais companheiros. Depois, a rotina é sempre a mesma: levanta duas vezes, admira-se ao espelho durante dez minutos, levanta mais duas vezes, mete os seios para dentro da camisola de spandex e admira-se ao espelho durante mais dez minutos, e assim se passa uma tarde bem passada.

O problema é que eu preciso de usar aquela porra daquelas máquinas! E ainda por cima só demoro um quarto de hora!

Mas com o senhor Nereida Gallardo a passear-se à frente do espelho, sempre seguido de perto pelas suas duas concubinas, torna-se muito difícil!

Claro que podia aproveitar um desses momentos narcísicos de auto-contemplação para fazer o meu exercício num instante. Mas como ele deixa mais ou menos um Fernando Mendes em peso de cada lado do haltere, teria de retirar aquilo tudo disco a disco para poder levantar os meus quarenta quilinhos da praxe. Raisparta o miúdo, pá!

Outra coisa que me irrita nele é a atitude durante o banho. Não que costume tomá-lo com ele, Deus me livre e guarde, mas a verdade é que ele também não o toma sozinho. Toma-o na companhia de um dos seus lacaios e deve ser à vez porque não é sempre o mesmo. Eu nem acredito que façam porcarias na cabine do duche, até quero crer do fundo do coração que é para poupar tempo porque naquela estrumeira de ginásio que partilhamos só há mesmo dois chuveiros. Mas ainda assim é muito esquisito. Mesmo muito... E principalmente porque passam o tempo todo a cantar, a gritar e a imitar sons de bichos selvagens. A alguns pode ser apenas a estupidez característica da idade mas eu temo que seja algo substancialmente pior.

Reparei também que tanto ele como os outros tomam banhinho de calções. Abençoados. Deve ser a maneira de se convencerem que não há nada gay em partilharem um espaço de um metro e meio quadrado enquanto ensaboam braços, pernas e seios. Meio metro quadrado esse que, partilhado com um boizanas como o nosso amigo fica bastante mais apertado... Mas não há nada de rabiças nesse momento, não senhor... Como poderia haver se estão a usar calções?

Bom, esta conversa está a deixar-me mal disposto.

Eu só queria chegar, cumprir o meu plano de treino e voltar rapidamente para casa.
Para a minha vida cristã, junto da minha mulher, dos meus gatos e dos meus valores morais inflexíveis.

Dispensava de bom grado todo aquele freakshow. Ainda por cima proporcionado por um sujeito que se quisesse me esmagava o crânio com dois dedos do pé.

Todavia, ele tem seios de mulher e eu, até ver, ainda não.
Por isso, parece-me que estou melhor assim.