Tuesday, August 2, 2011

EHPÁ DANCEM!!!

Ora bem, então parece que o Saguim habita um novo galho.
Sim, é verdade. As macacadas mudaram-se definitivamente para outro sítio há duas semanas.

Já não há vizinho cornudo. Já não há discussões entre marginais na paragem do autocarro. Já não há ordinário riscador de carros...

E até hoje também não havia gás.

Há bocado ligaram-me a dizer que já há, mas eu sou como São Tomé: ver para crer. A grande generalidade do público deve estar agora a pensar que, como não havia gás, estive este tempo todo sem tomar banho. Falo daquela generalidade do público que tem o odor apurado e que lida comigo diariamente. Porém, não há suposição mais falsa. O banho tem sido "à chinês" com a ajuda de uma panela de água quente e de dois alguidares. Felizmente, isto é o mais próximo que já estive do Terceiro Mundo. Bom, houve também aquela vez que passei a dois metros de um autocarro dos Super Dragões mas isso é outra conversa...

Parecendo que não, isto de não ter água quente para tomar banho faz alguma diferença. Há sempre quem diga que agora é Verão e que não custa nada tomar um duche de água fria mas como essas pessoas são imbecis, a sua opinião não pode ser levada a sério. Eu posso não conhecer muita coisa mas conheço o meu corpo o suficiente para saber que a cada duche gelado há funções fisiológicas que perco para sempre. Eu sei disso porque, em total desespero, tentei fazê-lo há uns dias. E agora sou incapaz de conter o fluxo de ranho sempre que estou perto de um rádio a pilhas. Enfim...

A casa nova é inovadora a vários níveis relativamente à de Benfica (e nem sequer estou a falar da ausência dos cornos do vizinho do lado marcados na parede da sala). A vizinhança é pacata e bem disposta. Quando dou os bons dias e boas tardes a alguém, a resposta que obtenho não é nenhum grunhido cavernoso e/ou uma valente bufa na minha direcção. Respondem na mesma moeda e volta e meia até sorriem... SORRIEM! Eu sei que é difícil explicar a minha alegria mas por favor tentem. Quanto ao barulho, anteontem um amigo deslocou-se lá a casa para fazer uns buracos com o black&decker e às 21h ainda estava a malhar no estuque como um moicano. Ninguém reclamou, ninguém insultou, ninguém disse absolutamente nada. O que me leva a concluir que desta vez o cigano devo ser mesmo eu.

Também não há nenhum restaurante de sushi ao virar da esquina, o que só por si deve permitir que consiga pagar o empréstimo ao banco até ao fim. São coisas como estas que quase me fazem esquecer os 9 meses que penei à espera que o processo das obras acabasse para finalmente recuperar todos os meus pertences e roupas. Esta última parte foi mesmo um problema. Nunca pensei estar tanto tempo à espera e portanto pus de parte uma ínfima parte do amontoado de trapos incoerente a que chamo de "a minha roupa". A dada altura, tentei todas as combinações possíveis, e algumas bem ridículas devo acrescentar, o que proporcionou olhares de pena dos meus colegas de trabalho e sorrisos nervosos da minha parte. Mas tudo isso está para trás das costas.

Até a gata está mais calma e dócil. Claro que para isso também muito contribui o milagroso efeito dos antidepressivos mas de qualquer maneira gosto de acreditar que ela aprova o novo poiso. Por falar em antidepressivos, parece que as ordens do veterinário são para começar a parar por esta altura. Eu estou renitente, até porque aprecio dormir entre as 5h até às 8h, mas também não posso estar a drogar um animal só para garantir o meu conforto. Ou posso...?

As coisas estão lentamente a ir ao lugar. E parece tudo tão bem que o santo começa a desconfiar. Qualquer dia abro a porta da casa e está um corcunda a arrastar um cadáver para a casa ao lado, ou assim. Sinto que alguma coisa de terrível está para acontecer, que estou apenas iludido sem querer ver o buraco fétido e lamacento onde me fui enterrar, mas vou ter de esperar mais alguns dias para ter a certeza. As coisas também não podem ser sempre à minha vontade. Aprendi isso em criança, numa das minhas festas de anos em casa...

(música e efeitos visuais indicativos de flashback)

Naquela altura, a minha lista de convidados contava com 19 rapazes e uma só rapariga (normalmente era a mais feia da turma porque era insuspeita, não podia correr o risco de convidar uma gira porque depois toda a gente ia achar que eu gostava dela. Todos nos protegíamos criteriosamente nesse aspecto). Houve um ano em que em vez de uma convidei duas, o que era só por si um grande acontecimento, e decidi que iria organizar um concurso de dança em minha casa. Um concurso de dança com 18 rapazes e 2 raparigas. Adivinhava-se espectáculo.

Vai daí, preparei uma cassete com uma cuidada compilação de música de dança. Recorri ao que tinha em casa. Queen, portanto. Uma banda que animava as discotecas pelo mundo fora...

Ok, recapitulemos: um rácio absolutamente desequilibrado de miúdos e miúdas com o fenomenal elo de ligação de um tipo de música que, tipo, não dá para dançar.

E eu sempre a achar que a ideia era genial.

No dia da festa de aniversário, eliminei logo o primeiro problema ao seleccionar dois rapazes da minha preferência. Os outros todos podiam enfiar os croquetes e os rissóis de camarão no cu porque eu tinha um concurso de dança para promover. O júri era eu, claro. Só. Isso nem se questionava.

Enfiei-me no quarto com os dois casais, vermelhos como tomates e envergonhados como noviças no Cinema Olympia, e coloquei a cassete dos Queen a tocar. Eles, parados a olhar uns para os outros, tentaram dizer-me que tinham dificuldade em dançar ao som daquele tipo de música. Eu mandei-os improvisar e fui sentar-me junto á parede com um bloco e uma caneta nas mãos (suponho que para dar notas) e com um sorriso entusiasmado na cara.

Eles não dançavam.

Formando dois pares, com os "bailarinos" de frente um para o outro, flectiam nervosamente os joelhos e mexiam as mãos de forma descoordenada. Só para deixar satisfeito o aniversariamente que começava a ficar irritado com tamanha falta de jeito.

As queixas eram muitas... Que não estavam a sentir o ritmo. Que não lhes apetecia. Que não era o momento certo. E os minutos sucediam-se fazendo abater-se sobre o quarto um denso manto de desconforto e ira.

A dada altura, passei-me da marmita. Aquilo era demais.

Perante a passividade dos meus convidados berrei com todas as forças que as minha jovens artérias me proporcionavam:

- EHPÁ DANCEM!!!

...

...

...

(piscar de olhos)

...

...

(as lágrimas a escorrer silenciosamente pelas caras dos meus amigos)

...

...

(gemidos surdos)

...

...

(mais flectir nervoso de joelhos e movimento descoordenado de mãos, agora com maior intensidade).

...

- Bom, isto não está a resultar. Vamos mas é voltar para junto dos outros. - acabei por concluir eu, perante a debandada mais rápida de seres humanos que alguma vez testemunhei.


(música e efeitos visuais indicativos de fim de flashback)


Nessa mesma noite o meu pai explicou-me que o que fizera fora extremamente desumano.

Extremamente.

Fosse o meu pai Staline ou Mussolini acredito que o teria enchido de orgulho. Mas como não era, nem nunca foi, a reacção foi de grande preocupação e, porque não dizê-lo, de algum medo.

De facto, ele tinha toda a razão. Em que é que eu estaria a pensar... "EHPÁ DANCEM!!!"??? E o teatro todo antes... Mais valia ter acrescentado "PALHAÇOS" também. Já que estava com a mão na massa. "EHPÁ DANCEM, PALHAÇOS!!!" Ao menos teria sido coerente do princípio ao fim.

Bom, esse foi um momento de viragem, a partir daí jurei não me impor demasiado a ninguém.
E sei que a vida não me dá obrigatoriamente aquilo que acho que devo ter.

Por isso, parece que agora corre tudo muito bem com a casa e tal.

Mas se as coisas derem para o torto, de nada me valerá voltar a berrar "EHPÁ DANCEM!!!"

Ou valerá...?