Friday, September 24, 2010

Há malta que devia levar com um ouriço gigante nos cornos!

Se calhar fui um bocado longe demais com o título... Comecei assim logo a abrir, com linguagem grosseira e maldosa, sem ponta de sensibilidade. Se foi isto que sentiram, peço desculpa.

Mas a verdade é que este título não é nenhum insulto...

É um desejo do fundo do coração.

Um pedido aos céus.

E eu bem o mereço. Sou honesto. Sou trabalhador (bem sei que estou a escrever este texto durante o horário de trabalho mas enfim... para português a fasquia também não é muito alta). Sou do Benfica. Sejamos francos, tudo isto me ajudará a fazer boa figura ao pessoal das togas brancas e das harpas que mora lá em cima, no dia em que eu me finar.

Por isso, eu devia poder pedir uma chuva de ouriços gigantes de vez em quando, e com isso despachar um magote de bandidagem de cada vez, contribuindo assim para um mundo melhor.

Ora bem, ouriços gigantes porquê? Primeiro porque estou ébrio de ódio e já não sei o que digo. Segundo porque têm espinhos afiados e porque, caindo de costas, depois de se espetarem pelo crânio de um indivíduo adentro iriam querer levantar-se e ir à vida deles, fazendo espichar um bonito efeito de sangue e miolos. Sei que é um pouco sádico este cenário mas, neste momento, o que para os outros seria horrível para mim seria fogo de artifício.


A RAIVA QUE SINTO!!!


Então não é que hoje de manhã, ao chegar ao carro, reparei que me fizeram um imenso e poderoso risco nas portas, ao longo de todo o comprimento da viatura? 'Tá tão giro...

E sendo o carro preto, um risco branco fica-lhe mesmo a matar.

O porquê do sucedido? Não sei. Não faço ideia.

O carro estava bem estacionado... Não estava num local de passagem... Não estava em zona de parquímetro sem pagar... Não estava num lugar para deficientes...
Isto embora, tenha lá ido um deficiente fazer m***a!

Fiquei uns bons 5 minutos a olhar para aquela maravilha, de boca aberta e sem grande reacção. Depois, efervesceu em mim um ódio primitivo e apeteceu-me fazer mal a pessoas. Quaisquer pessoas, sem critério. Avistei um grupo de estudantes que podia muito bem ser aviado à estalada. No final, agradecia, dava os bons dias, recolocava o chapéu na cabeça e ia trabalhar. Mais aliviadinho. Mas pronto, não foi bem isto que aconteceu.

Tive de engolir o sapo.

Resta-me concluir que foi obra de um inimigo, alguém que me quer mal e que aprecia erguer o punho e gritar "Saguiiiiim!" com ar demoníaco. Gosto de pensar que tenho um vilão na minha vida e que sou uma espécie de super-herói. Mas não faria mal se o morcão me viesse defrontar em campo aberto, à homem, ao invés de me andar a lixar a viatura. É um vilão um bocado fajuto, diga-se...

Enfim, suspeitos? Há.

Nomeadamente alguns.

E eles aqui ficam referenciados:


1) O meu Vizinho

Apesar de eu já não espirrar em casa há muito tempo, e com isso despoletar o radar anti-barulho que este senhor tem enfiado na peida (perdoem-me o francês), não há dúvida que há-de sempre figurar em toda e qualquer lista de suspeitos que eu faça. Ele odeia-me, isso é certo. O barulho que eu faço a andar no corredor, o som excruciante dos meus chinelos a bater no chão antes de eu os calçar, o horripilante tilintar dos talheres durante as minhas refeições... Tudo isto faz com que o meu vizinho já tenha arranjado uma tendinite de tanto socar a parede, em busca da quietude do mosteiro budista que ele gostaria que Benfica fosse.

Enfim, se foi ele a fazer o risco até admito que não tenha sido de propósito. Se calhar deixou cair qualquer coisa junto do carro e ao baixar-se riscou-me a porta com a cornadura. Já era altura de cortar as pontas, como nas touradas, mas não há meio...

No entanto, acho pouco provável que seja este o meu vilão. Para ir até ao meu carro fazer uma patifaria desta natureza, o homem teria de abandonar a sua tabacaria pelo menos durante 15 minutos, e todos sabemos que é coisa que ele não faz. E além disso, os vilões têm negócios de fachada mais fixes.


2) O Animal da Autoestrada

A besta ensandecida que me ia abalroando no trânsito no outro dia e que provocou num amigo meu a reacção "Wooo wooo wooo"... A avaliar pelos gestos de ódio que o gorila com hemorroidal efectuou dirigidos à minha pessoa, não seria absurdo concluir que ele terá assumido como prioridade acabar o trabalhinho que ia começando em plena autoestrada. Na traquilidade de um parque de estacionamento e sem "Wooo wooo wooo" a atrapalhar...

Apesar de ser um forte candidato à personagem de vilão da minha vida, há que assumir que estaria mais próximo de ser um velhaco das "Wacky Races". Bem diferente do mítico e galáctico criminoso que queria para ser o meu opositor. Por isso, espero que ainda não seja por aqui.


3) O Violador de Benfica

Bem sei que já foi apanhado mas nunca fiando. Lembro que, em Portugal, "apanhado" na grande maioria das vezes significa preso em liberdade preventiva, ou até em alguns casos, uma pancadinha ameaçadora nas costas e um "Vê lá se não voltas a fazer, meu malandro..."

Escrevi sobre o violador há uns tempos atrás nesta ocasião e é normal assumir que ele se quis vingar. Eu não disse mal dele, atenção. Não posso dizer que seja fã da violação ou que a aceite enquanto hobbie. Aconselho sempre os violadores a comerem antes uma peça de fruta ou a enfiarem uma bala nos cornos. Qualquer uma das duas é melhor do que tomar à força aquilo que em circunstâncias normais NUNCA seria deles. E isto é violação 101.

Bom, o violador andava a rondar o meu prédio, como provou um cartaz colocado no hall de entrada, escrito a marcador de feltro, por um dos meus vizinhos. A verdade é que o indivíduo não conseguiu levar a dele avante comigo e, cego de fúria, é bem possível que me tenha vindo riscar o carro. Apenas uma teoria...


4) O pensionista que gosta de obrar em piscinas

Last but not least e, quanto a mim, a hipótese mais provável. Escrevi sobre ele no meu último post, o causador da minha mais recente aversão ao exercício físico. No painel informativo da piscina onde costumo ir nadar estava um aviso que visava impedir que fossem, "uma vez mais", encontradas "FEZES" na água.

Eu exprimi a minha repulsa e ele não deve ter gostado.

Assim, não contente de espalhar m***a no sítio onde eu pratico natação lembrou-se de ir espalhalá-la também no meu meio de transporte. A mais plausível mas ainda assim difícil de considerar. Isto porque sabemos que o que os pensionistas gostam é de andar na autoestrada em contramão. Como tal, nunca que ele teria conseguido chegar inteiro a Benfica.


Tirando estes artistas, não consigo dizer quem foi.

Apreciava muito que Deus tivesse uma qualquer espécie de número verde para o qual eu pudesse ligar e resolver logo a questão de uma vez. Ir direito ao patrão sem passar pelos subalternos. Equivalente àquela altura em que dizemos ao telefone: "Quero falar com o gerente."

No entanto, penso que se assim fosse, para mim o número estaria sempre impedido. Ou então o anjo que atendesse diria que "ia passar" e punha-me a ouvir "O Bicho" de Iran Costa em loop, para todo o sempre.

Pensando bem, talvez não hajam fãs de Iran Costa no paraíso...

E o melhor é calar-me já senão o Iran Costa ainda se lembra de me ir riscar o carro.

Houvesse um ouriço gigante que lhe lixasse a coreografia!

Hoje estou de todo...

Wednesday, September 15, 2010

O Dia em que o meu Mundo parou

O meu dia hoje foi de cão.

Mesmo.

Não daqueles cães maricas cheios de berloques e perfumes até à ponta do focinho, habituados às mais elaboradas mordomias. O meu dia foi de cão sarnento, dos que andam a fuçar no lixo à procura de jantar e que acabam a roer uma bota, um pneu ou uma camisola do Sporting (não que esse cenário seja minimamente credível mas depois de um dia destes sabe bem achincalhar o clube rival).

A vida actualmente até corre bem. Tenho um emprego agradável com malta afável e simpática. Tenho uma família que sim senhor em todos os aspectos, amigos que valem a pena e até uma mulher que por sua livre e espontânea vontade mantém a decisão insana, dizem alguns, de partilhar a vida comigo. Eu até vou para uma casa nova, para longe do burjeço do vizinho que se excita a bater na parede, e tudo isso faz de mim um tipo feliz.

Tenho um pouco de peso a mais é certo. Mas até esse handicap está a ser combatido, dado que me inscrevi há algumas semanas numa classe de natação livre numa piscina perto do trabalho.

Portanto nada, mas mesmo nada, fazia prever o dia de hoje.

Passo aqui a relatá-lo, para que todos possam partilhar da minha dor:


O RELATO CHOCANTE, E SEM CENAS CORTADAS, DO UNANIMEMENTE PROCLAMADO COMO UM DIA MUITÍSSIMO FEDORENTO NA PELE DO SAGUIM (TAMBÉM CONHECIDO COMO "O DIA EM QUE O MEU MUNDO PAROU")


8:30

Toca o despertador. Acordo imediatamente mas o sono e a chamada ronha impedem-me de içar o meu enorme corpo de mamute. Deixo-me estar com um fio de baba a escorrer-me pelo canto da boca. A gata mia como se estivesse a ser esventrada. Eu limpo o fio de baba e ignoro os miados angustiantes do raio da gata. Deixo-me estar. A gata mia como se estivessem agora a enforcá-la com as próprias tripas. Eu levanto-me para garantir que não é isso que a minha mulher está a fazer.

9:20

Saio de casa com o meu chapéu de abas enterrado na cabeça. Digo enterrado porque já não o uso há alguns meses e aparentemente mirrou. Ao contrário da minha cabeça que continua a crescer sem qualquer controlo desde os 4 anos de idade. O chapéu corta-me a circulação na testa. Eu não ligo porque gosto de me ver de chapéu. As pessoas na rua não. Afastam-se. Olhando-me ao espelho consigo perceber porquê. Pareço um cigano. De barba, camisa escura e chapéu de abas. Era darem-me uma guitarra e verem-me interpretar "Borbujas de amor" de Juan Luis Guerra. Só que mais gordo. Acho eu porque nunca mais o vi.

9:30

Chego de carro ao Colombo, chapéu a abrir-me um lenho na testa tal é a pressão, para dar boleia a um amigo meu em direcção ao escritório. O gajo ainda não chegou. Páro o carro junto à berma do passeio, 4 piscas ligados, deixando o espaço semelhante ao estádio do Belenenses disponível ao meu lado para não atrapalhar o trânsito. Um gajo ao lado faz o mesmo e pára a lata dele junto ao outro passeio, deixando apenas metade do estádio do Belém. Continua a haver todo o espaço do mundo. Uma mulher idosa pára atrás de nós e começa a apitar muito irritada, cheia de linguagem gestual. Eu deixo-me estar a gozar o espectáculo. À espera que lhe dê um AVC. Ela sai do carro. Eu penso "Tu queres ver?". Em vez de ir chatear o outro vem-me chatear a mim. Eu penso em ir buscar a tranca na mala do carro para lhe desfazer a dentadura à base de marretada mas lembro-me que é capaz de dar cadeia. Ela diz: "Então como é?". Eu pergunto: "Não passa?". Ela volta para o carro e passa. Sempre a insultar-me. Passa ela e passaria um boeing 747. Mas ainda assim não me safo de a ouvir. Continuo à espera que lhe dê um AVC. Mas o carro não se despista. Então presumo que não lhe deve ter dado.

10:20

Chego ao escritório. Tiro o chapéu da cabeça exibindo uma bonita linha vermelha na testa semelhante à cicatriz de uma lobotomia. Ninguém comenta mas eu ouço os risinhos surdos vindos daqui e dali. Não ligo porque o chapéu é fixe. Stress lá num trabalho. Um telefonema, meia dúzia de calmantes e tudo parece estar encaminhado. Mas digamos que se entrasse por ali uma família de jaguares prontos a devorar-me naquele momento não iriam achar a minha carne nada tenra. Isto para além do excesso de gorduras polinsaturadas que lhes causaria o tal AVC que eu desejava que tivesse dado à velha. E o que é que a velha tem a mais do que os jaguares? Nada. Excepto o mau humor. Mas adiante...

12:00

Hora da natação. Nadar, descontrair, esticar os músculos, imitar uma baleia azul e fazer de conta que se está num programa da National Geographic. Tudo coisas giras. A água está a 33º. E o ambiente na piscina está ainda mais quente. Fui com um amigo que não se dá bem com esta temperatura. É natural. Ele e todos os outros que não apreciam cozeduras. Eu também sou um deles mas como preciso de perder peso prefiro pensar que é sauna / natação. Saio um pouco da piscina e decido dar um salto ao jacuzzi. Para descontrair. Entro no jacuzzi. A água deve estar a 60º. Perco a sensibilidade da cintura para baixo. Mas deixo-me estar. Paralítico mas feliz. Vem a responsável pela zona das piscinas. Sou expulso do jacuzzi. Diz que não posso estar ali, que tenho de pagar. Eu rio-me com a perspectiva de pagar para ser cozinhado. Saio do jacuzzi. À vista dela, como um marginal. Vou tomar banho para voltar ao trabalho.

13:00

Já chove. Coisa esperta. Ainda meio molhado da banhoca e já novamente molhado da chuva. Dá-me muita alegria. E desconforto também. Corro de volta para o escritório.

13:15

Vou aquecer o meu almoço: arroz de pato da Nobre. Uma embalagem com arroz e outra com pato. Engenhoso. A ideia era aquecer uma de cada vez e depois juntá-las. Eu junto-as logo e aqueço-as juntas. Não porque fique melhor mas porque não tenho paciência para esperar. O aspecto é miserável. Levo a papa para a mesa e procuro ignorar os olhares de nojo dos meus colegas. "Parece comida de cão...", comenta alguém. Eu concordo com as orelhas cabisbaixas. Compreendo que a minha mulher não tivera tempo para preparar nada melhor no dia anterior. E eu também não a quis obrigar. Ser bondoso dá nisto. Penso em colocar o prato num dos cantos da sala e comê-lo nas 4 patas como seria coerente. Mas acabo por comer à mesa, mesmo não merecendo.

16:00

O dia de trabalho corre stressante mas agora mais normalmente. Boa parte dos nervos já se foram e até parece que o dia tem alguma salvação. Fico a saber que o meu amigo, tendo abandonado a piscina mais cedo por a considerar algo muito próximo de um caldeirão de canibais no pico do fogo, decidiu preencher um daqueles papéis de reclamação / sugestão na secretaria. Eu acho bem, já estava na altura de alguém encostar os sacanas à parede. Só pela vingança de me terem expulso do jacuzzi. Aquilo, na realidade, não é um complexo de piscinas, digamos, normal. Pertence a uma associação de uma doença degenerativa nos ossos e é, em grande parte, destinada a tratamentos e, directa ou indirectamente, a pensionistas. Mas depois também há vagas para o público em geral, ou seja eu e o meu amigo, os únicos que deixaram de lado preconceitos e decidiram aceitar aquilo como uma piscina como outra qualquer, sem olhar ao mau aspecto que dá a tipos como nós frequentarem tal local. Ora, tudo correu bem até ele relatar o que lera no painel de informações aquando da entrega da sua reclamação.

...

Passo a citar:

"AVISAM-SE OS ASSOCIADOS QUE UMA VEZ MAIS FORAM ENCONTRADAS FEZES NA PISCINA..."

...

...

É preciso dizer mais alguma coisa?

...

Haverá mais alguma maneira de Deus me dizer que eu sou o Seu bobo favorito?

...

...

FEZES?!

...

...

Eu só queria fazer algum desporto... Mexer-me... Tornar-me mais saudável...

...

...

FEZES?!

...

...

Porquê eu?! O que é que eu faço agora?! Continuo a ir sujeito a... Jesus, nem consigo dizer... Sinto-me sujo, como se tivesse sido violado por javalis.

...

...

FEZES?!

...

...

Fezes...

...

Nessa altura, seria normal assumir que o meu dia tinha atingido o clímax. Mas não... Ainda não.

18:00

Ainda enojado pela história das fezes, e sem fazer qualquer ideia de como irei lidar com a situação, "arrumo a loja" e vou-me embora para casa. Tenho ainda de ir dirigir um pequeno workshop e, num dia como este, tudo pode correr mal. Dou novamente boleia ao mesmo amigo da manhã e a uma amiga que vai no banco de trás. Serenos da vida, seguimos caminho.

18:20

Estou na autoestrada de Cascais, rumo a Lisboa. Estou na faixa da esquerda. Faço pisca para a direita. Não vem ninguém. Lentamente, vou ocupando a faixa do meio. Na mais profunda paz. De repente, aquilo que parece ser uma mistura entre urso pardo com distúrbios mentais e o cú de uma vaca aparece lançado da faixa da direita sem fazer pisca e disposto a abalroar-nos. A minha amiga do banco de trás vê a tragédia a avançar na nossa direcção mas decide não dizer uma palavra. Para não incomodar. Porque quando um tipo leva com a frente de um chaço a enfaixar-se no seu porta bagagens, é bom que não haja nada a chateá-lo. Melhor ainda foi a reacção do meu amigo. Esse preferiu exprimir o seu pânico / indignação, ao ver a besta desvairada a aproximar-se, com a seguinte expressão: "Wooo Wooo Wooo". Sabem o que isto quer dizer? Eu também não. Mas ao menos deu para me aperceber da bonita colisão que se aproximava. Ao mesmo tempo, e a par do "Wooo Wooo Wooo" o meu amigo tentava também proteger-se com as mãos. Porque sabemos que se a outra carroça se enfiasse por ali adentro era bom que alguém lhe metesse as gânfias. Para evitar estragos maiores. Fui a tempo de me desviar e de apitar violentamente, esperando que o som fizesse explodir o cérebro diminuto do quadrúpede. E o ruminante levou a mal. Perseguiu-me e uns metros à frente colocou-se ao nosso lado, desenvolvendo toda uma panóplia de gestos em tudo semelhantes aos da velha do episódio matinal. Eu mandei-o ir pastar. E ele, cego de fúria e de assadura no escroto, seguiu em alta velocidade protagonizando novo episódio parecido com o nosso com outro carro uns metros mais à frente. Enfim. Apesar de tudo, senti-me agradecido pelo dia maligno me ter poupado de um choque no meio da autoestrada. Porque a avaliar pela sede de porrada do animal mau condutor era bem possível que não me safasse de andar à bulha por entre centenas de veículos em alta velocidade. Era capaz de correr mal e eu já não estar aqui a escrever-vos estas linhas. Ou então a escrevê-las com uma jante enterrada na cana do nariz. Quem sabe?

19:00

Deixei os meus companheiros nos locais respectivos. Estacionei o carro perto de casa. Agora vou apanhar o comboio. Tenho de comprar um bilhete de ida e volta pois não tenho passe. Passe é para os pobres. O comboio está a chegar. Há filas nas máquinas de comprar bilhetes. Que surpresa chocante. E as filas não estão a avançar. E o comboio a chegar. Duas mulheres permanecem especadas em frente ao mostrador da máquina, carregando nos botões aleatoriamente, queixando-se que "Não dá!". Eu sinto-me cansado. Podia chegar-me à frente para as ajudar mas nada faço. Não há nada que eu possa fazer. Há anos que ando de comboio e se há coisa que essa experiência me ensinou é que sempre que vou comprar bilhetes há SEMPRE alguém que permanece especado em frente do mostrador, a carregar nos botões aleatoriamente e a queixar-se que "Não dá!". Mesmo sem tempo nenhum e a ver a minha vida a andar para trás, depois de um dia que me deixou quase literalmente de rastos, prefiro imaginar as variadas formas de como as duas mulheres podiam morrer naquele momento. Imagino-me a cortar-lhes as gargantas com o meu bilhete por carregar, à Steven Seagal, e a atirar-lhes as cabeças com violência contra à porra do mostrador que simplesmente "Não dá!". Sorrio com muita malícia. Acordo do transe, preocupado com a minha escala de valores e capacidade de distinguir o bem do mal, e carrego o bilhete na outra máquina.

19:20

Aproximo-me da escola onde vou dirigir o workshop. Apercebo-me que me esqueci da chave da mesma, que era suposto devolver. Apenas mais uma acha para a fogueira do dia 15. Nada de relevante, atendendo ao que já passei desde manhã. Caminho para a sala, com os nervos à flor da pele, receando que os formandos me esperem com archotes e forquilhas, dispostos a perseguir até à morte o impostor azarado, isto seria eu, só para coroar em beleza um dia mau. Aí eu fugiria hurrando até um moinho abandonado, eles deitariam fogo ao moinho e eu conheceria um horrível fim entre chamas e faíscas. Enquanto isso, o meu amigo gritaria lá em baixo qualquer coisa como: "Wooo Wooo Wooo" para me avisar que algo de terrível estaria para acontecer. E eu, antes de conhecer o meu fim veria num letreiro um aviso com a seguinte inscrição: "AVISAM-SE OS ASSOCIADOS QUE UMA VEZ MAIS FORAM ENCONTRADAS FEZES NO MOINHO..." Enfim, agora dispersei-me um bocadinho.

19:30

Chego à sala. Nada de aldeões raivosos sedentos de vingança mas sim um dos formandos que chegou mais cedo. Explico-lhe que o meu dia está a correr tudo menos bem enquanto tento servir-me um copo de água. O jarro resvala e produzo um fantástico efeito de cascata pela mesa de formação afora. Pergunto-me o que mais falta acontecer... Mas não obtenho resposta e dou início ao workshop.


Agora estou em casa. Sendo que são agora 1:46, "O Dia em que o meu Mundo parou" conheceu o seu fim há já alguns minutos. Sobrevivi a ele e sinto-me como um daqueles veteranos de guerra, disposto a juntar-me em almoçaradas aos companheiros que, como eu, também lhe fizeram frente. Num restaurante porreiro com ambiente acolhedor. Comida caseira. Vinho da casa.

E se possível sem fezes...

Thursday, September 2, 2010

L'appareil est prêt a fonctionner

Não restam quaisquer dúvidas: tenho um poltergeist emplastrado no chão do escritório em minha casa.

Bom, não é propriamente só no chão. É mais na base duma mesinha de apoio, com gavetas, que tenho junto ao sítio onde geralmente me sento com o computador. E isso ainda intensifica mais a gravidade da coisa. Daquilo que sei de poltergeists, que felizmente é muito pouco, são tipos para fazerem traquinices daquelas sérias e eu tenho aqui guardada uma pilha de documentos importantes que detestaria ver queimados, rasgados ou decorados com falos pintados com sangue de galinha. Parece-me ser do género de coisas que eles fazem...

No fundo, e no meio desta história toda, quais são as minhas certezas?

1.
O poltergeist fala com alguma frequência. Mais até do que eu desejaria. É que normalmente quando estou no escritório estou a escrever e, a contrário dos bons escritores, faz-me muita confusão ouvir qualquer som quando estou a redigir qualquer coisa. Se eu nem sequer ligo o iTunes, imaginam com certeza a confusão que me faz ter p'raqui um poltergeist a palrar. Quebra-me logo a concentração!

2.
O poltergeist tem voz de mulher. Esta então não me surpreende nadinha e vocês sabem porquê...

3.
O poltergeist fala francês. E sendo que eu não falo, isso irrita-me profundamente. Até hoje ainda não foi ordinário comigo mas sabe Deus quando é que ele vai perder a compustura. Também, verdade seja dita, não lhe dei razões para tal. Não o tenho incomodado nada, não chamei exorcistas cá a casa nos últimos tempos, não o borrifei com água benta (até porque não a tenho, para usar a cá de casa teria de o fazer com água da EPAL e calculo que não tivesse o efeito desejado), não sintonizei o canal Canção Nova na TV, enfim... Tenho sido um santo para este poltergeist, diga-se.

4.
O poltergeist diz uma e uma só frase que é: "L'appareil est prêt a fonctionner".


Ao invés destas certezas me elucidarem de alguma forma, muito pelo contrário, enchem-me de dúvidas e de temores. A que "appareil" estará ele a referir-se? Será uma qualquer máquina demoníaca destinada a causar a morte e a destruição pelo mundo fora?... E ele, ao imaginar o início do cataclismo, esfrega as patinhas de cabra e diz, com um tom sinistro, que a geringonça está prestes a funcionar?!

É que se é assim julgo que até conheço a geringonça a que ele se refere. Aquela que tem em mim tais efeitos dá pelo nome de GPS e sim já quase me levou a enforcar-me numa figueira depois de uma série de enganos e trapalhadas. A dada altura parece que tudo está ligado.

No entanto, lamento desiludir-vos a todos fazendo esfumaçar-se esta teia de enganos e metáforas à qual eu próprio vos atraí. Não há nenhum poltergeist na base da mesinha de apoio do meu local de trabalho em casa. Eu sei que, assim a frio, a notícia pode ser chocante mas é esta a verdade.

Há é uma balança de casa de banho falante que, dada a falta de espaço deste albergue de gnomos que é a minha actual residência (desejoso de sair de Benfica!), teve de ser guardada debaixo da tal mesinha, pronta a entrar em acção sempre que alguém dela se lembrasse.

O problema é que ninguém se lembra... Mas ela insiste em impor a sua presença com uma constância alarmante. Volta e meia diz "L'appareil est prêt a fonctionner" como que querendo lembrar-nos que está a postos, que está presente, que pode e quer trabalhar.

Eu no entanto continuo a ignorá-la.

Há 11% de desempregados neste país e nenhum deles se enfia cá em casa a dizer-me em francês que quer trabalhar.

Como tal, ela que vá para a fila como toda a gente.