Friday, January 29, 2010

O Homem-bússola ao contrário

Para quem não me conhece: eu sou a pessoa com o menor sentido de orientação do mundo. Continua a ser um mistério como é que dei com o caminho para sair de dentro da minha mãe. Ainda para mais sem ninguém para pedir indicações. Curiosamente, a primeira vez que tinha um percurso a percorrer e o cumpri com sucesso foi também a última. A partir daí foi o caos total...

Às vezes ouvimos indivíduos deprimentes a dizer que se sentem perdidos. A diferença entre eles e eu é só uma: é que eu estou mesmo! Na maior parte das vezes acho que nem sei bem onde estou. E quando finalmente percebo onde estou, é hora de ir para outro sítio. E então perco-me novamente neste grande Triângulo das Bermudas que é a minha vida. Exemplos? Ainda outro dia, um amigo que contava com as minhas indicações para ir de Santa Maria da Feira para o Porto, com tabuletas do tamanho de camiões a ajudar, acabou na autoestrada a caminho de Lisboa. Muita porrada levei eu. E foi merecida.

Mas depois, algo de milagroso aconteceu: APARECEU O GPS!

...

E a merda foi ainda pior.

Prova disso mesmo foi o meu fim de tarde de hoje. O qual vou relatar através de frases curtas, não só porque é mais dramático mas também porque se torna mais fácil de explicar a miríade de coisas absurdas que aconteceram.

Estão preparados?

Não?

Mas vão ler na mesma.


Dia: 29 de Janeiro de 2010


Missão: Ir de São Domingos de Rana até à casa de um amigo, algures atrás do shopping Alegro de Alfragide.


Pontos a favor: O nome da rua, o número de telemóvel do meu amigo, caso precise de alguma coisa, e um extraordinário GPS.


Pontos contra: Eu.


Desenrolar da acção: Saio do meu local de trabalho. Entro no carro. Ligo o GPS. Está à procura de sinal. Retiro o braço articulado com a ventosa para prender o aparelho ao pára-brisas. O braço articulado tem a porca muito apertada e não a consigo direccionar para mim. Tenho de prender o braço articulado ao vidro do condutor, mesmo à minha esquerda. Ok, não há problema. Já tem sinal. Começo a pôr a localidade para onde quero ir. Carnaxide. Ok. Ponho o nome da rua. O GPS procura. Aparece um resultado. Deve ser esta. Cá vamos nós. Autoestrada connosco! Tudo certo. Estou a chegar à portagem. Apercebo-me que vou ter de abrir o vidro. Não vou poder abrir sem retirar o braço articulado com a ventosa. Tento retirá-lo. Não consigo. Estou a aproximar-se. Tento retirar com mais força, conduzindo ao mesmo tempo. Não sai. Cada vez mais perto. Cada vez com mais força. Não sai. Esta merda não sai. E a portagem a poucos metros já. A conduzir ao mesmo tempo. Sou forçado a parar junto a uma cabina encerrada. Luto com o braço mecânico. Violentamente. Não sai. Mais força. Sai em estrondo! Alívio. Faço marcha atrás. Ando 3 metros para o lado. Portagem. Gota de suor na testa. Pago e ponho-me a andar. Volto a colocar o braço articulado com a ventosa no vidro, agora com menos força. Ok, vai correr tudo bem. Estou na autoestrada. É ir sempre em frente. O GPS só deve dar sinal de vida daqui a alguns minutos. Mas deu já. Está a mandar-me sair da autoestrada em Oeiras. Não faz sentido. Eu saio. O GPS foi caro. Mais vale fazer o que ele manda. Rotunda do Oeiras Parque. Manda-me virar à direita. Não faz sentido. Vou voltar para onde vim. Isto está tudo doido. Caguei no GPS. Vou voltar para a autoestrada e depois logo vejo. Aproximo-me da portagem. Tento tirar o braço articulado com a ventosa do vidro que tive o cuidado de colocar com menos pressão. Não sai. Tento com mais força. Não sai. Cada vez mais perto. E a merda do braço articulado a teimar. MALDIÇÃO!!! E eu vermelho de ódio e de esforço. Não sai. A portagem a poucos metros. A vergonha a acumular-se. Não sei o que fazer. Não tenho sítio para parar como da vez anterior. Cada vez mais força. Cada vez mais perto. Veia jugular lateja no pescoço. A ventosa nunca esteve tão agarrada. Quase na portagem. Toda a força que tenho. Não quero saber. Se partir partiu. A maldita ventosa solta-se em estrondo. Quase me despisto. Suor. Páro na portagem. Pago. Ok, segunda portagem em pouco tempo. Isto é ridículo. Volto a colocar o braço mecânico com a ventosa no vidro. Quase não faço pressão. Fica pendurado. Não fica seguro. Pendurado. Reprogramo a geringonça. É desta. Voltas e voltinhas por aqueles lados. Não sei onde estou. Estou atrasado. Isso é que eu estou. Voltas e voltinhas. E mais voltinhas. Manda-me sair da autoestrada. De repente, já sei onde estou. Rotunda do Oeiras Parque à minha frente. O GPS manda-me virar à direita e voltar ao ponto de partida. Quero morrer. Desisto. Vou voltar novamente para a autoestrada. A portagem aproxima-se. Tento tirar o braço articulado com a ventosa. Não sai. Não é possível!!! Urros de raiva. Toda a força do mundo. ESTAVA POUSADO, NEM SEQUER FIZ PRESSÃO!!! Não sai. A portagem cada vez mais perto. ÓDIO!!! Cada vez mais perto. Não sai. Quase que ando ao murro ao GPS. Não sai. A portagem aproxima-se. Tenho de decidir depressa. Abro a janela. Só uma fresta. Não consigo abrir mais. Passo o cartão multibanco pela fresta. Vergonha. A mulher olha para mim como se eu fosse atrasado mental. Eu sinto-me atrasado mental. Recebo o cartão de volta pela fresta na janela. Como um leproso. Ponho-me a andar. Odeio o GPS. Vou até à zona do Alegro pelo caminho que conheço. Ao menos nesse não me perco. Desligo o maldito aparelho. Ignoro o braço articulado. Estou rodeado de papéis de portagens. A mesma mulher viu-me passar duas vezes quase seguidas na mesma direcção. Deve estar a pôr um comprimido debaixo da língua agora. Eh eh oxalá morra. Oxalá morram todos! Estou enervado. Já lá devia estar há uma hora. Ligo ao meu amigo. Não atende. Não sei o que fazer. Chego ao Alegro. Páro o carro lá perto. Ligo ao meu amigo. Não atende. Faço as pazes com o GPS. Volto a digitar o nome da rua. Há bocado dava-me um resultado, agora a busca dá-me três ruas diferentes com o mesmo nome. Não entendo. Lágrima cai. Ligo ao meu amigo. Decididamente, não vou poder contar com ele. Só eu e o GPS. Sigo caminho em direcção uma das ruas que o aparelho identificou. A que me pareceu ser a tal. Ruas isoladas. Gueto. Medo. Inversão de marcha. Desespero. Suor. Sangue. Lágrimas. Consigo sair do Gueto. Páro o carro. Desespero. Vómitos. Pergunto a um transeunte qual o nome da rua em que estou. Só para me certificar que estou completamente f***do. Milagre. É esta a rua! E o edifício em questão está mesmo à minha frente. Lá dentro, o meu amigo à minha espera. Com o telemóvel desligado. Aleluia...


Aleluia...


Aleluia.


Agora estou em casa. Enrolado, no chão, na posição fetal. Sou o "Homem-bússola ao contrário" e isso é mais evidente do que nunca.


Agora vou dormir.


Isto se conseguir encontrar a porra do caminho!!!