Sunday, December 26, 2010

Então esse Natal? Lá foi...

- Então esse Natal? – pergunta-me um ou outro conhecido, ao passar por mim na rua.

- Lá foi… - respondo eu, enquanto atravesso para o passeio contrário, evitando assim o arrastar da conversa.


Não que tenha algum tipo de aversão a falar sobre a quadra. Ou mesmo que tenha aversão à quadra em si. Custa-me é participar em conversa de chacha.

Quando as pessoas perguntam “Então esse Natal” é de um “Lá foi…” que estão à espera, e não de “Fui p’ra cama à beira do vómito, com azevias até à boca do esófago!” ou “Tive um claro prejuízo no balanço das prendas recebidas e oferecidas…” ou até de “Estive a uma unha negra de arrancar a garganta de um dos meus primos à dentada”. Não que eu sinta vontade de dar uma destas respostas mas sei que pode ser a realidade para algumas pessoas.

A verdade é que ninguém é verdadeiramente sincero no “troco” que dá às questões sobre o Natal e a razão é simples: tirando aquela malta que detesta mesmo a época natalícia e que se recusa a celebrá-la, como o velhaco Gargamel dos estrunfes ou os judeus, o resto sente que dizer mal do Natal é dizer mal da família, das crianças e, acima de tudo, da paz no mundo.

Nada mais falso, diga-se. Um tipo pode perfeitamente detestar a família, desprezar as crianças e cuspir na paz no mundo e continuar a apreciar o Natal. Cada coisa é uma coisa.

Os católicos gostam do Natal porque, no fundo, estão a celebrar o aniversário de alguém que veneram. E fazem-no no conforto do lar, junto ao calor da lareira, em sossego com aqueles que lhes são importantes. Nada de “E se Jesus quer ser cá da malta...”, não é um desses aniversários. É uma festa mais íntima em que, por regra, à uma da manhã está tudo "a aquecer a água para se ir deitar" (como eu amo esta expressão...)

Depois também há quem, como eu, não seja católico mas veja no Natal uma espécie de festival temático anual, com algumas particularidades tradicionais interessantes, sabores regionais de primeira linha e músicas alegres. Claro que não podemos generalizar e achar que todos os sabores regionais feitos nesta quadra são de primeira linha ou que os milhões de cantigas natalícias aconchegam mas... Acho que me faço entender. A média acaba por ser quase sempre bastante positiva. E a média é que importa.

No entanto, há coisas no Natal que são, à falta de melhor termo, enormemente insuportáveis.
Mesmo muito!
E era um favor que me faziam se para o ano todas elas deixassem de existir.
Acho que tornaria o Natal uma época ainda mais intensa com um índice de aceitação mais próxima dos 100%, mais campanhas de solidariedade para ajudar os desgraçadinhos que fazemos questão de ignorar o resto do ano e mais gestos de carinho para com familiares a quem depois não atendemos o telefone. Tudo para o melhor, portanto.

Para dar um avançozinho aos trabalhos, que isto de limar arestas é coisa que leva algum tempo, principalmente quando falamos do Natal, deixo aqui uma lista completa daquilo que, a meu ver, deveria deixar de existir. E notem que quando digo "a meu ver" é o mesmo que não dissesse nada. Porque como vejo muito bem, quase tanto como a águia que foi despedida pelo Benfica (sempre a inovar, este glorioso), isto deixa de ser opinião. É uma lista daquilo que não devia transitar para o Natal de 2011 e mainada! Aqui vai ela:



LISTA DAS COISAS QUE SE VERIFICARAM NO NATAL DE 2010, ASSIM COMO SE VERIFICAM TODOS OS NATAIS, E QUE CONVINHA NÃO SE REPETIREM EM 2011.


1.
A MALDITA CANTIGA DO CORO DE SANTO AMARO DE OEIRAS

Aos 28 anos, penso que cheguei a um ponto em que já não consigo traduzir por palavras o tumulto interior que sinto quando ouço esta vil cantilena. Há uma ou duas expressões em swahili que estão lá muito perto, uma outra em cantonês, mas nenhuma faz real justiça...

QUE CANCRO ATROZ! Na falta de melhor foi esta...
Será que não há mais nenhuma música que crianças pequenas possam cantar para enternecer a porra dos corações?! Em dezenas de anos não houve um campeão qualquer que se chegou à frente e disse "Ehpá tudo muito bem, o Coro de Santo Amaro de Oeiras e tal, mas isto já é um bocado demais e está na hora dos putos cantarem outra coisa..." NUNCA! COMO É QUE ISTO NUNCA ACONTECEU?!

Isto para não falar no estranho que é termos visto a mesma música, a exacta mesma gravação, a ser "cantada" em playback durante anos por crianças diferentes. Os mesmos versos, a mesma voz, na boca de dezenas de miúdas diferentes, de várias formas, raças e feitios, no mais mal engendrado truque de ilusionismo de sempre. A mim não me enganam eles. Eu já cantei uma vez num karaoke e sei bem do que falo.

Não sei onde andam os miúdos originais que cantaram aquilo mas afigura-se-me que hoje serão mais velhos do que eu. E aqueles que não estão presos terão certamente na cabeça um capacete de eléctrodos...

Portanto, a minha primeira exigência está em abolirem de vez esta canção, ok? Não é preciso nada demais, apenas queimar todas as cópias já feitas, os originais e as pautas e arrancar o coração pelas costas a qualquer um que comece a trauteá-la no futuro. Se houver organização e rigor a coisa faz-se.


2.
AS CASCAS DE LARANJA NO BOLO REI

Está bem de ver como é que isto aconteceu. Uma Filipa Vá Com Deus qualquer andava toda atarefada a fazer bolos rei, uns atrás dos outros, quando sem querer despejou o balde das cascas para dentro da massa. Depois de perceber a burrada que tinha feito e de berrar alto e bom som o "Manual de Ética e de Bons Costumes dos Mangas de Alfama", concluiu que tinha apenas duas soluções: ou admitia o erro, deitava tudo para o lixo e passava o Natal a caldos Knorr por causa do prejuízo ou deixava aquilo ficar e dizia que agora se comiam cascas caramelizadas no estrangeiro.

Como esta é a frase que mais convence os portugueses... A coisa pegou. E apesar de toda a gente fazer uma careta quando mastiga o sabor acre da casca de laranja, todos continuam a comer.

Vá lá ver uma coisa...

HÁ UM NOME PARA AS CRIATURAS QUE COMEM CASCAS DE LARANJA.

E O NOME É PORCO.

Os porcos é que comem as cascas todas, os caroços e tudo mais que se atire para a pocilga. Se por baixo das cascas estiver um bolo rei também não são eles que se vão queixar.

Portanto, vamos lá fazer um resumo...

Pinhões OK

Passas OK

Fruta cristalizada OK

Cascas de Laranja NÃO

...

Portanto, a minha segunda exigência está em manterem o lixo onde ele pertence: no caixote. Deixem as iguarias na composição do bolo, sim senhor. Bolo esse que é delicioso, não há dúvida. Agora meterem-lhe cascas por cima é o mesmo que cobrirem a Soraia Chaves de vomitado. Faço-me entender?


3.
A LEOPOLDINA

Sim, eu sei que é um pouco contrasenso falar da Leopoldina e não falar da recém-criada Popota. No entanto, esta segunda tem em si um certo carácter "slutty" que me atrai bastante. E como tenho muito respeito pelas pêgas em geral prefiro dirigir o meu ódio à pássara e apenas à pássara.

Já não há paciência para a história do "mundo encantado dos brinquedos" e para as operações plásticas que a bicha faz de ano para ano. Antes parecia um frango voador com obstipação, agora parece a Angelina Jolie com cabeça de avestruz. O formato muda mas a bizarria continua. Acho mal é chatearem a Lili Caneças por parecer um boneco de cêra e nem abordarem as intervenções cirúrgicas da pássara maldita. E quem diz a Cinha Jardim diz a Leopoldina. Enfim...

"- Mas como seria possível acabarem com a Leopoldina, Saguim?! Ela é um ídolo para as crianças!" exclamam as vozes na minha cabeça, com bastante estupidez.

Uma criatura amarela com olhos esbugalhados.... Um ídolo para as crianças.
Na minha terra, quem é amarelo e tem olhos esbugalhados é toxicodependente. Não é avestruz.
E que eu saiba, ser ídolo para as crianças não é o objectivo de nenhum deles. Pelo menos não à primeira vista. Parecem-me bem mais preocupados com outras coisas.

Portanto, é para acabar sim. Só enerva! "Ah e tal comprem os brinquedos manhosos da pássara que nós damos metade para os Hospitais e fazemos o favor de ficar com a outra metade para nós... Caso seja preciso ir à bica ou assim..." Por favor, já chega!


4.
O NATAL DOS HOSPITAIS

Que é, ao contrário daquilo que muitos pensam, a principal causa de morte em Portugal Continental. O momento em que todas as enfermeiras se esquecem de dar os medicamentos aos pacientes, a altura em que se desligam todas as máquinas dos Cuidados Intensivos para alimentar a mesa de mistura da banda do Marco Paulo. Mais letal do que uma pasta de dentes chinesa.

Além disso, há também o carácter ALTAMENTE DEPRIMENTE que se encerra no nome "Natal dos Hospitais". Ok, eles estão lá fechados e muitos não voltarão a ver a luz do dia. Sabemos disso tudo. Por isso em vez de lhe chamarem literalmente aquilo que é, podiam chamar-lhe "Natal da malta com boa saúde", "Natal dos indivíduos que qualquer dia ainda vão aos Jogos Olímpicos" ou "Natal dos tipos que, saindo das cadeiras de rodas, ainda se portariam muito bem na cama com a Helena Coelho"... Enfim, só para dar umas ideias.

Agora, "Natal dos Hospitais" parece-me desadequado. No nome e no formato. Há artistas que hoje em dia só fazem aquilo, chega a ser mais importante para eles do que para os próprios doentes. É o seu Rock in Rio. E isso chega a ser mais triste do que aquele conto do Hans Christian Andersen em que uma miúda queima fósforo após fósforo até patinar no gelo (e atenção que neste caso, patinar significa mesmo morrer).

Portanto, já era altura de acabarem também com isso e devolverem a alegria à quadra. Assim como assim, ninguém se lembra que há gente nos hospitais quando se está a encher o bucho com sonhos e filhozes. A menos que se coma tanto que se tenha de ir a um. Mas isso também já não me acontece há alguns anos...


5.
GATOS NO NATAL

Deixei esta para o fim por ser a mais pessoal e também aquela que à partida pode indicar às pessoas que o meu estado mental não é o mais são. Se eu tivesse colocado este ponto no princípio, no lugar de todo o discurso coerente e muito correcto que tive até agora, dificilmente leriam até ao fim. Mas pronto, é mais ou menos isto: no Natal, os gatos deviam ir de férias para longe. Tipo Palma de Maiorca ou Lloret del Mar, como fazem os estudantes nas viagens de finalistas.

Isto porque os gatos, como é sabido, adoram os enfeites que penduramos na árvore. Adoram.
Mas adoram-nos mais no chão do que nos ramos, o que torna a convivência entre felinos e árvores de Natal quase impossível. A menos que se tomem as devidas precauções...
No ano passado eu tomei-as e não tivesse hoje quase todos os meus pertences em caixas de cartão voltaria a tomá-las.

Ouvi dizer que os gatos não gostavam do cheiro a citrinos. Vai daí, comprei um detergente com aroma a limão, preparei uma solução com água e borrifei a árvore toda. Coisa que até podia ter corrido mal porque as luzes já estavam ligadas. Mas enfim, lá a borrifei na mesma.

Não resultou. A gata continuava a violentar a árvore.

Vai daí, decidi deixar os produtos artificiais de lado e apostei na "real thing". Peguei num limão, cortei-lhe tiras de casca e pendurei-as nos ramos, como se de enfeites se tratassem.

Não resultou. A gata divertia-se a roer os ramos e a dar patadas nas bolas.

Irritei-me. Fui buscar o piri-piri e untei as pontas dos ramos. Sorriso demoníaco no rosto. Em pleno Natal.

Resultou mais ou menos. Ela apercebeu-se que roer os ramos talvez já não fosse grande ideia mas continuava a disparar grandes murraças nos enfeites.

Era preciso algo mais. Algo que a mantivesse à distância.

Pimenta. Muita.
A árvore ficou assente em pó branco. Tanto que parecia neve... E o Natal prosseguiu, mais calmo do que nunca.

Foi, porém, uma solução de recurso. Nada me garante que a minha gata não está numa dieta intensiva de especiarias, ela passa muito tempo sozinha durante o dia, preparando-se para um novo frente-a-frente com a árvore que está agora empacotada algures. De bom grado lhe pagava um fim de semana no Íbis para me poupar a tal chatice.



E é isto. Tudo o resto pode continuar, com peso e medida claro está, que não me importo.

Agora é começar a pensar no Natal do ano que vem, que a malta não se safa sem Natais.
Eu nem tirava as luzes das ruas que era para não se perder o espírito.
E admiro a postura do Sporting por estar em "modo Natal" desde o início da época.

Se não é o Sporting a dar o exemplo...

Tuesday, December 14, 2010

E agora algo completamente repugnante

No prédio onde eu trabalho mora uma senhora de idade.

Coisa que, até ver, não tem nada de mal.
Se calhar até lá mora mais do que uma, mas esta digamos que tem aquele toquezinho de bizarria e, porque não dizê-lo, de repugnância, que lhe dá bastante destaque.

Para começar tem o cabelo roxo.
O que não é assim tão original. Muitas e muitas velhotas da mesma geração decidem chocar a malta nova e levantar assim o dedo médio para o mundo. Os punks usam pulseiras com picos, a malta do rock usa calças de cabedal, os anões usam escadotes e as pensionistas, algumas, preferem expressar-se através da cabeleira. A mim não me faz confusão. Não percebo a mensagem mas também não entro em conflitos por causa disso. E se o problema fosse só este nem sequer valia a pena estarmos aqui a falar.

A idosa que vive no prédio onde labuto...

Eu já tinha percebido que a velha gostava de palheta. Não foi uma nem duas vezes que me apanhou na escada e aproveitou a oportunidade para trocar impressões acerca do estado do tempo ou de como os vizinhos são "gente que não interessa". Eu fui obrigado a concordar dado que o único vizinho que conhecia era de facto ela e ela, de facto, não me interessava. Nem ela nem o cabelo roxo que a avaliar pela solidez e pelo aspecto mate, não deve ver água há uma catrefada de meses. Mas enfim, sempre sem perder a gentileza e o sorriso amarelo na cara, a minha maneira de lidar com esta situação era passar por ela tão rápido que quase lhe fazia saltar a dentadura contra a parede, com a força do vento.

Coisa que não me impediu, ainda assim, de passar por alguns dissabores.
O primeiro, ainda conhecia mal a peça, aconteceu quando eu e um colega nos preparávamos para entrar no prédio, cruzando-nos com a velha no hall de entrada. Ofuscado pelo fedor da carapinha roxa, passei depois pela porta dela e reparei que a tinha deixado aberta. Confesso que a minha reacção inicial foi de entrar-lhe por ali adentro, limpar-lhe o ouro e as pratas e depois incriminar o meu amigo. Mas como tive medo que ele me lixasse primeiro, que isto hoje não se pode confiar em ninguém, concentrei-me antes na minha segunda reacção: entrar por ali adentro, limpar-lhe o ouro e as pratas e acertar-lhe com um candelabro na testa quando voltasse, para que não houvesse nada que me associasse ao sucedido. Porém, também isso ficou por fazer. Primeiro porque nasciam em mim sérias dúvidas que houvesse naquela casa ouro e pratas. Plástico talvez. Rançoso. Agora ouro e pratas, afigurava-se-me pouco provável. Depois porque com o capacete roxo, seria preciso bem mais do que um candelabro para lhe abrir um lenho fatal na tola. Assim, deixei-me estar.

E assim fiquei, a ouvir os apelos samaritanos do colega que me acompanhava, preocupado que um qualquer bandido depenasse o que havia para depenar do burgo da velha. Farto daquele choramingar, acedi a chamá-la de volta e alertá-la para o lapso. Ele lá foi e eu fiquei na escada à espera, apenas para partilhar os louros da boa acção. Quando a velha voltou, decidiu exprimir os seus melhores agradecimentos convidando-nos, a mim e a ele, para entrar e TOMAR UMA BEBIDA...

...

...

... até insistiu e tudo...

...

Vá lá ver... Não estamos a falar de nenhuma cota toda p'rá frentex e ainda p'rás curvas. Não que isso fizesse alguma diferença porque sou muito fiel à minha mulher e tudo (até porque ela lê o blogue) mas não é de todo disso que estamos a falar. Falamos sim de uma avó, que eu agradeço aos céus não ser a minha, mas ainda assim aquela que podia ser a avó de alguém.

Se queremos entrar para tomar uma bebida?!

Os dois de uma vez?!

Então e a velha não ia sair?!!!

Bom, esperei que o silêncio e o ridículo da situação recusassem o convite por mim e voltei para o trabalho. Sendo que os primeiros quinze minutos do horário laboral foram passados a esfregar as mãos com pedra-pomes e a cuspir vigorosamente para o lavatório da casa de banho de serviço.

Eu nem faço ideia do tipo de bebidas que a anciã teria para me oferecer, além do copo de água onde demolha a dentadura durante a noite, claro. De qualquer maneira para levar a dela avante comigo era bom que tivesse alguns barris de aguardente da boa, que só em coma alcóolico e com uma pipa emplastrada na nuca é que eu lhe fazia a vontade. Enfim, ele há coisas...

Passaram-se algumas semanas até que a voltasse a ver. Para isso muito contribuiu a minha faceta de roedor nocturno, fugindo vigorosamente sempre que o mais ténue ruído soava na escada do prédio. Mas não podia evitá-la para sempre. Não a ela.

Um dia, estava eu a praticar natação na piscina que também já mencionei num post anterior (pelas piores razões, diga-se), quando um camarada meu se sentiu mal e foi necessário que eu fosse buscar a carteira dele ao escritório. Nessa altura fiz aquilo que qualquer bom amigo faria: exigi o respectivo pagamento pelo serviço e lá fui acudi-lo. Quando entrei no prédio, espavorido, quem estava lá? Eu acho que vocês sabem quem.

Sorrateira como um traque num elevador, pairou sobre mim apanhando-me completamente desprevenido. Também ela queria a minha ajuda. Mas desta vez, diz que era PARA LHE ABRIR A PANELA DE PRESSÃO.

...

Eu não sei que tipo de pessoa anda à coca dos indivíduos que passam à porta para lhes pedir que "lhe abram a panela de pressão". E escrevo-o entre aspas porque para mim não é mais do que um eufemismo. Se eu tivesse acedido a ir abrir-lhe "a panela de pressão", nada me garantia que dias depois não fosse chamado a abrir-lhe "a pressão da panela" e convenhamos que tudo se iria encaminhar para a abertura da sua própria pressão. O que já seria demais para mim. Tanto que não fui capaz de recusar-lhe auxílio. Afinal de contas tratava-se de um pedido de ajuda e não de um convite ordinário, como era claramente o anterior.

Então, voltei a fazer aquilo que se esperaria de uma pessoa de bem. Pedi-lhe para esperar, fui buscar a carteira do meu amigo que estava a contar com ela, saí novamente do prédio e, com todo o altruísmo que me reconhecem, liguei ao meu colega, o mesmo da outra vez, para ir lá assistir a velha. Não gosto de faltar a ninguém e muito menos àqueles que precisam.

Ele lá foi mas parece que se fartou de tocar à porta sem que ela lha tivesse aberto. Provavelmente, desiludida com a troca, o que se compreende perfeitamente. Só que eu não chego para todas e o mundo terá de aprender a lidar com isso.

Bom, feitas as contas, ela continua aí. E estes dois episódios, apesar de perturbadores não me teriam incomodado assim tanto se, para além do cabelo roxo, a velha não ostentasse com frequência um espectacularmente encardido roupão com padrão de flores. Como aquelas toalhas de plástico para a mesa de cozinha mas para vestir.

Eu sei que ela deve pensar que fica um verdadeiro Hugh Hefner no feminino, isto partindo do princípio que o Hugh Hefner atrai de alguma forma as dezenas de badalhocas que estão sempre à volta dele, mas a única coisa que consegue com aquilo é atrair a mesma quantidade de mosquedo que um javali em Xabregas. Ok, digamos só Xabregas. Já chega para provar o meu ponto de vista.

Mete impressão, disso não há dúvidas.
Não é bonito de se ver, nem de perto nem de longe.
Os encontros entre nós parecem saídos de um filme de David Lynch mas misturados com cenas daquele tipo que aparece na televisão a dizer que sobrevive nos piores sítios e nas piores condições, enquanto come larvas e merda de elefante. Sim, tudo isso é verdade.

Mas AINDA ASSIM nada se compara com o que esta velha apresenta como bandeira, a assinalar a sua janela na fachada do prédio. Uma peça de roupa que ela insiste em pendurar regularmente na corda e que é, só por si, significativa de todo um estilo de vida.

Algo que faria a pêra do Malato assemelhar-se ao decote da Rita Pereira.

Algo que tornaria a sardanisca do inferno numa bandeja de sushi.

Algo que transformaria o Justin Bieber numa mulher a sério.

...

Falo de...

... nada mais nada menos...

... do que umas calças de pijama...

... COMPLETAMENTE CAGADAS!!!

...

Ehpá, completamente.

...

E ali à entrada do prédio para toda a gente esbarrar.
Como se não bastasse TUDO O RESTO, ainda mais isto.

Um exemplo de honestidade, convenhamos. A velha não está ali para enganar ninguém. Com um cartão de visita daqueles só se presta ao serviço quem quer. E depois não diga que ela não avisou. Ao menos neste aspecto, há que enaltecer a senhora.

Bom, eu não só não me presto ao serviço como começo a ter falta de estratégias ninja para me escapar ao confronto. Ainda não experimentei o clássico rotativo na boca "à Van Damme" mas algo me diz que se o tentasse eu me aleijaria bem mais do que ela. Assim, resta-me pegar-lhe fogo às fétidas ceroulas penduradas e esperar que o incêncio consuma o resto do covil.

O problema é que depois o incêndio alastrava-se para o edifício e eu ficava sem escritório para trabalhar...

Mas também quem é que gosta de trabalhar?

Sunday, December 5, 2010

A Sardanisca do Inferno (e outras questões muito relevantes)

Eu espero sinceramente que o mundo não acabe em 2012.

...

Digo isto não porque nutra qualquer apreço pela Humanidade mas porque, depois do período terrível de mudanças e de pré-obras em que me encontro, ver o mundo acabar pouco tempo depois seria uma tremenda desilusão. O mínimo que poderiam fazer quando isto amainasse era garantir paz no mundo, a retoma económica deste país e consequente pontapé no cu ao Sócrates e aos restantes (que só querem é poleiro), um bom poleiro para mim e o título de campeão nacional para o Benfica. Julgo que não é pedir muito depois da trabalheira que isto está a dar.

Esvaziar a casa de Benfica revelou-se um verdadeiro pesadelo.
Primeiro, empacotou-se a titânica quantidade de tralha que só eu e certos roedores da América Central conseguimos acumular. Depois, encheram-se as divisões e o corredor com estas mesmas caixas, criando um elaborado labirinto no qual a minha gata fez questão de desaparecer durante dias a fio. Na dúvida se estaria viva ou morta, dei por mim a atirar punhados de granulado para o monte de caixotins, na esperança que ela desse com o alimento e conseguisse aguentar-se por mais algumas horas. Enfim, um autêntico pardieiro.

É possível que o bovino do vizinho da seita anti-ruído tenha dado forte e feio com a cornamenta na parede, queixando-se das arrumações, mas a verdade é que nem dei por isso. Estava quase literalmente afogado em mobílias desmontadas, caixas empilhadas e muito mas muito cotão.

Entretanto as mudanças fizeram-se... nunca mais volto à casa de Benfica!
Vou até mais longe e digo que a única coisa que me vai fazer regressar àquela zona vai ser o fantástico restaurante de sushi que se houvesse justiça no mundo tinha a minha fotografia em grande na parede. É que nos últimos dois anos e meio sinto que peguei naquilo que era um reles boteco de peixe crú e transformei num dos mais requisitados "spots" no que diz respeito a cozinha japonesa. Aquilo agora está sempre cheio! E a maioria dos clientes fui eu que lá levei. Podia ficar ofendido com a falta de reconhecimento e deixar de lá ir. Mas como sempre fui mais guloso do que orgulhoso, continuo a encher a pança à base de salmãozinho que é uma beleza.

Anyway...

Um dia antes de abandonar definitivamente o santuário silencioso da Rua da Venezuela, guardado pelo cruel minotauro com penteado "à f*****e" que mora na casa ao lado, aconteceu um episódio curioso. Depois de ter estado praticamente um ano sem intercomunicador, coisa que o senhorio fazia gala em não mandar arranjar e que suscitou um espectacular abaixo assinado de todos os meus vizinhos, uma semana antes de me ir embora o bicho estava como novo.

"Está giro." - pensei eu.

Depois de meses e meses a ter de descer as escadas para abrir a porta do prédio às minhas visitas, coisa muito fashion e que se vê muito no estrangeiro nomeadamente no terceiro mundo, depois disso tudo o problema estava agora solucionado.

Na última noite passada no "cenário de guerra", eu e a minha mulher, aproveitando o desaparecimento da comida, dos utensílios de cozinha, dos nossos animais de estimação perdidos entre os escombros, e até da pachorra para cozinhar, decidimos mandar vir uma pizza.

TRRRRRRRRIMMMMMM!!! - ela chegou.

A minha mulher caminhou confiante em direcção ao intercomunicador que já se encontrava operacional.

Sorriso tranquilo no rosto.

Carregou no botão satisfeita de poder gozar o luxo que é não ter de descer em pijama para abrir a porta do prédio ao homem das pizzas. Ao frio.

O botão funcionou e a porta abriu-se.

ZZZZZZAAAAAAAAPPPPPPPPPP (para quem não sabe é o som tradicional do interruptor das portas).

Som esse que devia começar e acabar em poucos segundos não devia?

Pois devia.

Mas este começou e não acabou.

O barulho manteve-se sem parar. E era mais do que óbvio que após um ano com aquilo estragado a família saguim preparava-se para uma última gracinha...

O zunido soava a bom soar, sem interrupção. Talvez o botão estivesse colado...

Desmontei o intercomunicador. Constatei que não percebia nada de electrónica. Voltei a montar o aparelho.

E a barulheira infernal na escada...
A acusar-nos violentamente de termos feito m***a! Mas na realidade tudo o que a minha mulher fez foi carregar num botão. E tudo o que eu fiz foi abrir a boca e esperar que nela viesse aterrar uma fatia de pizza.

Deixámo-nos estar no sossego do nosso lar em pedaços. A saborear a nossa refeição.

Isto enquanto no hall do prédio soava uma chinfrineira equivalente ao recolher obrigatório num Gulag.

A dada altura, ouviu-se barulho lá em baixo. Algumas pancadas. E tudo ficou silencioso.

Convenci-me rapidamente que o vizinho do lado tinha resolvido o problema com os cornos. E, como tal, deixei-me ficar, mais confortável com a minha consciência.

No dia seguinte, em plena lufa-lufa das mudanças, a vizinha da frente cumprimentou-nos, a mim e à minha mulher, com um sorriso. Coisa nunca vista. Para uns, tal gesto poderia significar cortesia mas para mim tudo não passava da vontade cada vez mais consumada de nos ver pelas costas.

"Já viram o que aqui fizeram ontem?", perguntou ela. "Não, não.", respondemos nós. "Alguém carregou no intercomunicador e aquilo ficou a fazer barulho uma data de tempo...", disse ela. "Ah, sim?", perguntámos nós. "Sim.", respondeu ela. "E depois houve alguém que cortou aqui os fios da porta e por isso estamos sem intercomunicador outra vez.", acrescentou ela. "Parece impossível...", dissemos nós. "É um prédio de selvagens, sabe?", criticou ela. "Por isso é que nos vamos embora.", concluímos nós.

No final da conversa, a ex-vizinha ainda disse que tinha pena que saíssemos dali. Que nos achava um casal muito simpático. Observação curiosa, dado que ao longo deste tempo nos fartou de lançar grunhidos e olhares de carneiro mal morto. Mas de qualquer forma soube bem abandonar o prédio com um elogio. Isso e deixá-lo definitivamente entregue aos selvagens.

Vai daí, dois terços das coisas foram para a casa nova que ainda aguarda as obras.
E o terço final veio connosco para uma casa pertencente à minha família, em Paço d'Arcos.

Embora não esteja cá ninguém a morar, a casa mantém-se habitável e pronta para qualquer necessidade. E dado que se não viesse morar agora para aqui ou ficava a dormir em cima de pilhas de ladrilho na nova residência ou montava uma tenda debaixo do viaduto Duarte Pacheco... podemos dizer que é mesmo necessário. Isto embora seja uma solução temporária.

Na primeira noite aqui, e depois da má experiência com as pizzas ainda em Benfica, que para além de terem arruinado com o intercomunicador também arruinaram com o meu sistema digestivo pelos simples facto de "saberem mal como tudo", decidimos fazer hambúrgueres de atum.

Ao verificar que os mesmos estavam a libertar algum fumo, lembrei-me de ligar o extractor que se encontrava por cima do fogão.

RRRRRRRÁ - soou o velho aparelho enquanto cuspia um estranho projéctil contra a minha mão.

...

Pausa para compreender o que se tinha passado.

...

Nova pausa para dirigir o olhar para o tal projéctil arremessado pelo extractor.

...

Tempo agora de gritar como uma menina e sentir-me horrorizado com o sucedido.

...

O que tinha sido arremessado contra a minha mão, era nada mais nada menos do que...

...

...

... O CADÁVER RESSEQUIDO E DISFORME DE UMA SARDANISCA!!!

...

...

Sim, leram bem.

Uma espécie de Tutankamon das osgas que, prevendo o fim cada vez mais próximo, decidiu largar o peido mestre entre as pás do extractor cá de casa.
Após ter-me tocado na mão, repousava a escassos centímetros daquele que iria ser o meu jantar.

Com a ajuda de folhas de papel e à maior distância que o corpo humano consegue funcionar, lá coloquei o "freakshow" no lixo. E escusado será dizer que rezei a todos os santinhos para que a gata não fosse lá buscá-lo e vir colocar-mo de novo no colo. Isso ou aparecer-me durante a noite a roer o repugnante cadáver como se de um pretzel se tratasse.

Enfim, felizmente nenhuma destas visões aterrorizadoras se confirmou. A Sardanisca do Inferno até ver foi exorcizada e não se têm verificado problemas de maior.

Agora, até as obras na casa nova estarem prontas ainda temos muito que penar.
A Benfica desejo um futuro à sua medida, sem rancores, principalmente para aqueles que me chatearam ou me prejudicaram de alguma forma. Sem qualquer tipo de sentimentos negativos ou de prisões com o passado, lhes desejo do fundo do coração que lhes nasça um feto no cimo da cabeça e que não os deixe dormir durante a noite, cantando o repertório completo do Nelson Ned over and over again...

Quanto a Paço d'Arcos, infelizmente vai ter de levar comigo durante uns meses.
O que, sejamos francos, não é assim tão mau quanto isso.

Se formos a ver bem até há coisas piores...

E quase todas elas envolvem cadáveres secos de sardanisca.