Wednesday, April 8, 2009

O último desejo de um imortal

Descobri o segredo para a vida eterna.

E se me dessem a oportunidade de o anunciar ao mundo numa conferência de imprensa televisionada, seria este o discurso que faria...


"Minhas senhoras e meus senhores, muito boa noite.
Também bom dia e boa tarde para os habitantes de todas as outras nações que estão a assistir a este meu discurso via satélite, um pouco por todo o mundo.

Sim, é verdade. Excusam de me sufocar com perguntas.
Depois de centenas e centenas de anos em busca de uma resposta, de uma esperança, de uma força suplementar para a Humanidade, há um novo fôlego que surge no nosso horizonte. Descobri a forma de atingirmos a imortalidade, a nossa “fonte da eterna juventude”, algo que sempre esteve tão perto e que nós, cegos, não soubemos usar em nosso proveito.

Ora, não será pelo sentimento de ausência que choramos mais quando alguém conhecido perece?

Quero que reflictam nisto durante um minuto…
Bom, um minuto se calhar é muito para reflectir, depois criava-se aqui um silêncio constrangedor e para além disso tenho o tempo de antena bem contado. Vamos partir do princípio que reflectiram na ausência durante um minuto, ok?

Meus amigos, se nos faz sofrer assim tanto, então porque é que insistimos em desaparecer?

É que… Nós iremos continuar a morrer, disso não há qualquer dúvida.

Se ligaram a TV com esperança que exista uma beberagem qualquer capaz de vos manter afastados do “soninho eterno”, uma espécie de botox para a alma, então esqueçam… É que é fatal como o destino. E antes que me chamem charlatão por estar a apregoar a imortalidade sendo que não tenho solução para a morte, ouçam bem esta palavra:

TAXIDERMIA.

Escutaram?
Sabem do que se trata?

Não, não tem de se resumir a animais empalhados…
Meus amigos, podemos ser nós próprios.

Se empalharmos os nossos parentes, os nossos amigos, aqueles de quem gostamos, em vez de lhes estraçalharmos os corpos, eles nunca morrerão. Não só nos nossos corações mas também à nossa vista. Estarão perto de nós sempre que quisermos: à mesa enquanto jantamos, na cama quando vamos dormir, no duche antes de irmos para o trabalho. Sempre.

A alma, de facto, esvai-se no ar. Mas a companhia, a sensação de conforto nos nossos corações, essa nunca desaparece. O segredo para a “vida após a morte”, aquele que se julgava ocultado algures nas passagens da Bíblia, do Alcorão ou do Livro Sagrado dos Eremitas do Deserto (se é que existe), reside nas mãos sebentas e repletas de cheiro a bicho morto de um taxidermista.

Sabia de antemão que não iria conseguir da vossa parte os urros de júbilo e os cantares de louvor a mim que sei que mereço.
É uma ideia que precisa de tempo para entranhar-se em cada um de vocês.
E talvez eu possa dar uma pequena ajuda. Talvez precisem de um primeiro passo.

Não me importo de ser eu a dá-lo.

Eu sou um pouco mais velho do que a minha mulher e não temos filhos. Estive a fazer contas e a consultar alguns bruxos africanos e tudo indica que serei o primeiro a partir.

Por isso, tomei uma decisão.

É perante vós, perante ela e perante a justiça dos homens que manifesto o meu desejo de ser empalhado quando morrer. Quero que a minha esposa me conserve na nossa sala de estar, divisão da casa onde vivemos momentos de verdadeira felicidade, exactamente ao lado da nossa televisão.

Sei o que estão a pensar neste momento. Não é lá muito boa ideia.

Como estou um passo à vossa frente posso acrescentar que não desejo ser empalhado de corpo inteiro. Isso seria absurdo. Apenas o busto, para facilitar.

Apreciaria imenso também que o artista que tratasse de atafulhar o meu corpo de miolo, me construísse um meio sorriso na boca. Uma expressão que me imortalizasse não só como um sujeito razoavelmente inteligente, mas também como um bon vivant, alguém que, com uma grande dose de malandrice, aprecia um cálice de Chardonnay ao final do dia.

O sorriso seria também como que uma última oferta para a minha mulher. Algo como “estou a observar-te, estou contigo enquanto vês o teu programa favorito e ai de ti se arranjas outro para calçar as minhas pantufas”. Seria uma bonita prova de amor.

Bom, amigos de todo o mundo, pensem nisso.

Hoje mesmo, porque não convidar a bisavó para jantar? Sim, um pouco verde, é certo. Sim, sem alguns pedaços importantes da fisionomia. Mas presente.

E não é isso que importa, afinal de contas? Pois claro que é.

Um grande abraço a todos e, pela parte que me toca, sejam bem-vindos à imortalidade.

Obrigado eu!"