Tuesday, February 13, 2007

Marketing do bom!

Confesso que não sou grande adepto dos desportos motorizados, mas um amigo meu é e outro dia chamou-me à atenção para um dado curioso. Um jornal do ramo, o "Autosport", apresentava na sua capa uma chamada de atenção para a campanha promocional vigente. Ora, essa campanha consistia no seguinte: na compra de um jornal "Autosport", o leitor receberia absolutamente grátis OUTRO jornal "Autosport" igual. Não havia qualquer dúvida, tratava-se mesmo do clássico "pague 1 leve 2". Bom, eu passei por uma série de emoções diferentes ao constatar este facto. De início, deu-me para rir fartas e ruidosas gargalhadas enquanto apontava com o dedo indicador para a publicação. Depois fiquei pensativo... numa viagem interior para tentar entender, no meu mais íntimo, se aquilo realmente era um pouco ridículo. Por fim, voltei novamente a rir histericamente quando cheguei à conclusão de que a minha emoção primária estava correcta. Porque isto, das duas uma, ou é ridículo ou é marketing do bom. A minha questão é muito simples: um indivíduo compra um jornal; chega a casa, senta-se no sofá e lê-o de ponta a ponta; para que é que ele quer outro jornal igual àquele que acabou de ler?? Quanto a mim não faz sentido...
A menos que o leitor tenha Alzheimer, aí realmente a história é diferente: o indivíduo adquire o "Autosport" com a devida promoção; chega a casa, senta-se no sofá e lê-o de ponta a ponta; no final olha para o outro jornal igual e exclama "-Olha o último "Autosport"... ainda não o li.", lê-o de ponta a ponta; no final olha para o outro jornal igual e exclama "-Olha o último "Autosport"... ainda não o li."; e por aí adiante... esta situação poderia prolongar-se para sempre. Mas, partindo do princípio que o target deste jornal não é o de indivíduos com insuficiências mentais, continuo sem entender qual a grande vantagem desta promoção.
Quase que consigo imaginar a reunião de criativos do “Autosport” onde a ideia surgiu… vamos chamar-lhes, sei lá, Auto e Sport por exemplo...

(Auto)- Pois, porque se um gajo não protege as virilhas no Verão, com o suor, aquilo fica tudo verme...
(Sport)- ESPERA!! ESPERA!! IDEIA GENIAL A SURGIR!! EU SINTO-A!! É MESMO GENIAL!!
(Auto)- Epá! Conta conta!
(Sport)- Varreu-se-me... tinha-a na ponta da língua. Deixa lá... vamos prosseguir com a reunião.
(Auto)- Ah pois... a campanha... o que é que havemos de fazer para conquistarmos mais leitores e deixarmos de ter em stock estes milhares de jornais que não foram vendidos...?
(Sport)- Ao menos poupamos dinheiro em cadeiras...
(Auto)- Ao menos isso...
(Sport)- É...
(Auto)- ...
(Sport)- ...
(Auto)- ... mas as virilhas no Verão, para mim, são um problema. Comprei uma pomada na farmá...
(Sport)- ESPERA!! ESPERA!! JÁ SEI!! PROMOÇÃO GENIAL!! PAGUE UM, LEVE DOIS!! É ISSO!!
(Auto)- GRANDE IDEIA!! COMO É QUE EU NÃO ME LEMBREI DISSO ANTES!! VAMOS OBRIGAR OS LEITORES A FICAR COM TODA ESTA LIXARADA EXTRA!!
(Sport)- MUAHAHAHAH!! CONTINUAREMOS A DERRUBAR O DOBRO DAS ÁRVORES SEM NECESSIDADE NENHUMA!! SOMOS GRANDES!! PRIMEIRO OS LEITORES DO "AUTOSPORT", DEPOIS O MUNDO!!

Penso que terá sido mais ou menos assim...
De qualquer forma, e porque este blogue também presta algum serviço público, aqui vai uma singela lista de dez sugestões para que os leitores do "Autosport" saibam o que podem fazer com o outro jornal grátis:

1. Enrolá-lo num canudo e vergastar um cão ou um gato.
2. Acender a lareira agora que está frio.
3. Construir um chapéu bicudo e usá-lo no Carnaval.
4. Recortar pedaços de palavras e letras e enviar uma carta anónima a alguém. Uma ameaça de morte ou assim.
5. Fazer-lhe um buraco e ir para um jardim público. As pessoas vão pensar que está a lê-lo, mas na realidade está a topar as gajas.
6. Com recortes e colagens, fazer um vestido de Sevilhanas e ensaiar um número de travestismo. Diz que dá dinheiro...
7. Enrolá-lo num canudo e vergastar uma criança pequena ou uma velha.
8. Fazer vários barquinhos e organizar uma corrida entre eles na banheira.
9. Amarfalhá-lo numa grande bola e atirá-lo à cabeça de algum ministro.
10. Lê-lo outra vez... no caso de padecer de Alzheimer.

Friday, February 9, 2007

Os Che Guevaras do Cacém

É relativamente comum fazer a viagem de comboio na linha de Sintra, volta e meia deparo-me com situações inspiradoras. Há uns tempos atrás, ao passar pela estação do Cacém, reparei numa inscrição de enormes letras pintadas a tinta vermelha numa parede qualquer. Essa inscrição dizia: "QUEREMOS RAMPAS!! NÃO ÀS ESCADAS!!".
Ora bem, escusado será dizer que o meu dia assumiu uma dimensão completamente diferente. Senti nas minhas veias o verdadeiro fervor da revolta, a vontade cega de me revoltar contra uma coisa qualquer... e porque não contra as escadas? Parece-me um motivo tão bom como tantos outros. De facto, as escadas são estúpidas e há séculos que fazem sofrer o ser humano. Ele é nas pirâmides do México, ele é no Bom Jesus de Braga e não vamos esquecer nos credos religiosos que falam numa escadaria até ao céu no momento da morte. É que nem a bater a bota um gajo se livra dos malditos degraus!!
Não senhor, não me vergarei a tal coisa, não permanecerei no silêncio colaborando com esta situação nociva. As escadas são prejudiciais à saúde... é normal ouvirmos velhinhos dizer que lhes custa subir as escadas, crianças a pedir colinho porque não conseguem ou indivíduos paralíticos a praguejar contra o governo diante delas. Não senhor, eu partilho da revolta do Cacém. Também eu grito a plenos pulmões: "NÃO ÀS ESCADAS!!".
É que nunca ouvimos ninguém queixar-se das rampas ou dos elevadores. Se ninguém se queixa de uma coisa é porque é boa, se muita gente se queixa de outra é porque é má. Deixa ver se me consigo fazer entender: rampas e elevadores-BOM; escadas-MAU. Acho que é mais ou menos isto.
E depois ainda veem com a treta do Step, a dizer que tonifica o corpo subir e descer um degrauzinho durante uma hora ao som de música techno. Só se eu fosse maluco é que acreditava em tamanho disparate! E o que mais me irrita é que um gajo pode lá estar uma hora a fazer aquilo e depois queixar-se porque tem de subir quatro lances de escadas para entrar no seu apartamento T0 (porque sejamos francos, quem pratica step não possui capacidade intelectual para aspirar a grandes voos). Isto do step é uma desculpa esfarrapada inventada pelos defensores das escadas para continuar a justificar a construção das mesmas... Agora quem são estes bandido? Arquitectos? Construtores civis? Engenheiros? Ninguém sabe ao certo. É gente suja que mete ao bolso à conta do sofrimento do povo.
Mas felizmente ainda há quem levante a sua voz para denunciar o monopólio das escadas, quem defenda o direito natural das rampas para competir directamente no universo das plataformas que nos fazem ascender de um plano para o outro. Chamo-lhes, respeitosamente, os Che Guevaras do Cacém: "CONTRA AS ESCADAS, HASTA LA VICTORIA SIEMPRE!!!"

Monday, February 5, 2007

O milagre anti-aborto

Meus amigos, considero-me uma pessoa altamente privilegiada. Um abençoado que não consegue transmitir por palavras a alegria extrema que sente... Porém, vou tentar fazê-lo.
É que hoje, meus amigos... hoje, Nossa Senhora escreveu-me. Sim, ela própria, Maria mãe de Jesus de Nazaré. Esta carta leva-me a tirar uma série de importantes conclusões que irão mudar a minha vida para sempre:

1. Nossa Senhora realmente existe, coisa que vem contrariar o meu ateísmo inflexível.
2. Não só existe como escreve em português fluente. Como tal, o senhor Mel Gibson devia pensar duas vezes antes de realizar filmes baseados em episódios da Bíblia em que só se fala latim e aramaico. Provavelmente, esta gente também dominava a nossa língua.
3. Nossa Senhora sabe a minha morada e preocupa-se comigo.
4. Nossa Senhora desaprova a lei da despenalização do aborto.
5. Nossa Senhora quer vender-me um livro e um terço.

Quando abri a caixa do correio, e após fazer rolar sob a minha face gordas e roliças lágrimas de comoção por ter constatado tão cintilante milagre, procedi à análise do desdobrável...
Na face principal do mesmo, está uma imagem da face de Nossa Senhora a preto e branco com um efeito manhoso do Photoshop e o seguinte texto: "DESCUBRA o que pode acontecer em Portugal no ano em que se comemoram os 90 anos das Aparições de Nossa Senhora de Fátima.". Se em relação à imagem pude constatar que Nossa Senhora não possui qualquer formação em tratamento de imagem (o que é natural devido à conhecida ausência de material informático na Judeia de antes de Cristo), o texto tem muito que se lhe diga. De facto, fico curioso e quero saber. Afinal o que se vai passar? Meus amigos, é só abrir o panfleto e a resposta é clara.
O interior diz o seguinte: "No ano em que se comemora o 90º Aniversário das Aparições de Fátima, Nossa Senhora chora... e Ela chora por milhares de inocentes que podem perder a vida antes mesmo de dar o primeiro gemido."
Isto é bem demonstrativo da evolução que isto dos milagres sofreu ao longo dos anos. Há uma década atrás quando uma estatueta de Nossa Senhora chorava isso era notícia de telejornal. Agora, a indiferência é tão grande que tem de ser ela própria a anunciá-lo por correio. Já não há respeito, realmente... Bom, mas prosseguindo, diz o panfleto: "No dia 11 de Fevereiro realizar-se-á um referendo nacional pela liberalização do aborto. Nesse dia, é indispensável ir às urnas e responder NÃO à pergunta do referendo: Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? Ou seja, dizer que não concorda com o assassinato brutal de inocentes ainda no ventre materno! Esta é a resposta que a Santíssima Virgem espera de si.". Ora bem, isto leva-me a concluir que Nossa Senhora com a idade está, de uma vez por todas, a ficar sem "papas na língua". No entanto, ao mesmo tempo realiza serviço público ao traduzir em palavras mais facilmente entendíveis a complicada pergunta que surgirá nos boletins de voto. De facto, "assassinato brutal de inocentes" é bastante mais acessível que "interrupção voluntária da gravidez". Assim sim, já percebo. Às vezes há que se ser bruto para se fazer passar uma mensagem, e Nossa Senhora aqui não prima pela subtileza.
Mas, há mais: "Abster-se não pode ser uma opção. Diante de uma questão tão importante como esta, que trará graves consequências para o nosso País, não votar é o mesmo que dizer sim ao aborto.". E nós não queremos isso... principalmente depois de conhecermos o que a Santíssima Virgem espera de nós. Depois, e para quem não percebeu, Nossa Senhora faz aqui uma premonição dizendo que esta questão trará graves consequências para Israel (dado que diz "o nosso País" e eu creio que apesar dela dominar o português não se estará a referir a nós). Pessoalmente não entendo que influência tem um referendo aqui num país tão longe mas a Teoria do Caos também defende que uma borboleta bate as asas na China e provoca um tufão no Chile, como tal já não digo nada...
Mais para a frente, Nossa Senhora ainda diz que: "dizer sim é permitir que se matem inocentes, indefesos e pequeninos, que aguardam apenas o momenro de vir ao mundo." reforçando a ideia que já tinha dado previamente e lança um apelo quando diz "além do seu voto, Portugal precisa também das suas orações. Precisamos de rezar o terço e pedir a Nossa Senhora que interceda por nós e afaste do nosso País este brutal e cobarde atentado contra a vida.". Ora bem, é notório que Nossa Senhora não se contenta apenas em combater o mal no dia da decisão final. Ela quer mais. Mas como, meu Deus?! Como, se não possuo nenhum terço ou livro de orações. Felizmente bastou-me ler um pouco mais: "Peça hoje mesmo o seu estojo do Terço da Vida e receberá em casa o terço e o livro "O Rosário da Vida", com meditações para rezar o tterço em desagravo ao referendo, que por si só já constitui uma ofensa a Deus." Oh diabo!!! Ofendemos Deus... Oh Virgem Santíssima, rogai por nós! Agora é que vão ser elas! Realmente, isto é uma questão demasiado polémica para sermos nós, meros mortais, a decidir. As coisas estavam muito bem como estavam, este referendo é um atestado de incompetência a Deus! O que iremos fazer a seguir?! Despedi-lo?!
Vou imediatamente encomendar o terço e o livro! Ainda por cima só tenho de dar acima dos 10 euros... não é muito para pedir desculpa a Deus e agradar a Nossa Senhora, nunca se sabe se não vou precisar de um empurrãozinho para entrar no céu quando patinar... Vou fazê-lo mas não antes de ler citações inspiradoras de altas figuras da Igreja, patentes da face de trás do desdobrável. Ora temos aqui Bento XVI (sim senhor, uma citação do Papa fica sempre bem)... D. José Policarpo (o patriarca de Lisboa também é uma referência para os católicos portugueses, sim senhor)... D. Jorge Ortiga (Arcebispo de Braga, sim senhor, não tão importante como o outro mas quase)... também uma citação da Nota Pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (não tenho a certeza se sei o que é mas também me parece importante, sim senhor) e uma última de Narciso Fernandes, pároco de Ruílhe. Ora bem, o que é que não está bem aqui? Parece que o pároco só está aqui para fazer número, não é? Pois é... Mas não faz mal. Redenção, aqui vou eu.

Sunday, February 4, 2007

A terrível verdade sobre os ursos

Porque é que escolheram o urso para ser um ícone de ternura infantil? Quem diz o urso diz o leão, o tigre ou mesmo o elefante... todos estes exemplos servem para sustentar a minha ideia de estranheza com este facto. Porém, e para facilitar o entendimento do leitor para esta questão ultra-complexa, vamos centrar-nos apenas no urso.
Há centenas de anos que os ursos surgem em todo o lado compondo o universo mágico das crianças: em peluches, em bonecos animados, imagens estampadas, fábulas infantis... estes bichos aquecem e dão conforto ao imaginário dos mais pequeninos. Ora, isto quanto a mim é uma enormíssima irresponsabilidade dos adultos. Porque o urso, sim senhor não digo que não tenha um aspecto felpudo e suave devido a todo aquele pelo mas, não é propriamente um animal afectuoso por natureza. Pode, sem qualquer esforço, atribuir a um homem o soninho eterno só com um safanão da sua patorra e devorá-lo a seguir. O que se está a ensinar à pequenada desde sempre é que os ursinhos são inofensivos, coisa essa que serviria de muita ajuda se algum dia uma criança, por obra do acaso, desse de caras com um destes animais em plena floresta. Ficaria muito desiludida quando, em troca do seu patusco e rechonchudo abraço, recebesse de comité de boas vindas um selvático e monumental urro anunciando o festim de carne fresca.
Estive a fazer a minha pesquisa e deparei-me com algumas pérolas da boa e velha Wikipédia em relação a alguns tipos de urso...

"O urso-polar (Ursus maritimus), também conhecido como urso-branco, é um mamífero membro da família dos Ursídeos, típico e nativo do Ártico e actualmente o maior carnívoro terrestre conhecido."

Ora bom... O MAIOR CARNÍVORO TERRESTRE CONHECIDO!!!
É grande e é carnívoro... tipo... altamente perigoso partilhar o mesmo espaço com ele...

"As patas dianteiras são largas para facilitar o nado e o mergulho e as patas posteriores têm 5 dedos."

Portanto, nada de fugir em direcção a um lago julgando que ele, porque não gosta de água, não nos segue até lá. Não só segue como continua a ser mais rápido que nós neste meio... não há escapatória possível!

"Os machos adultos podem atacar e matar filhotes. As fêmeas os defendem mesmo um macho medindo em média o dobro de seu tamanho. Aos seis meses de idade, um filhote é capaz de fugir correndo de um adulto."

Meus amigos, na raça humana há muito pirralho a fugir do pai porque sabe que vai levar com um chinelo, no caso dos ursos este cenário é um pouco diferente... ESTÂO A ESCAPAR DA MORTE POR CANIBALISMO!!! Nem para eles próprios são bons...

"Os ursos são animais muito preocupados com a própria higiene. Após cada refeição, eles dedicam cerca de 15 minutos para eliminar a sujeira."

Ora bem! Antes de ir para a mesa, onde irá mastigar a carne do próprio filho, o papá urso lava bem as patas e a boquinha no rio. Para não haver cá porcarias.

"Alimenta-se também de aves, roedores, moluscos, caranguejos, morsas e belugas. Ocasionalmente caça bois-almiscarados e até mesmo, ainda que raro, outro urso-polar.
Oportunista, a espécie pode comer carniça (como baleias encalhadas) e materia vegetal, como raízes e bagas no final do verão. No depósito de lixo em Churchill, Manitoba, foram observados comendo, entre outras coisas, graxa e óleo de motor."

Portanto o urso, neste caso o urso-polar, come praticamente TUDO. Desde caranguejos, passando por bois, outros ursos-polares (o tal canibalismo) e acabando em graxa e óleo de motor... Atendendo a isto constatamos que não seria na nossa presença que se iria armar em esquisito.

Está portanto na hora de deixarmos de mentir às nossas crianças. Os coelhos não põem ovos, nem na Páscoa, o Pai Natal não existe e os ursinhos são animais que nos podem devorar se ultrapassarmos a barreira de confiança com eles. Às vezes até podemos estar muito sossegadinhos na nossa tenda e sermos devorados na mesma... é só estarem para aí virados... os ursos.
Por isso, os pais devem pensar duas vezes antes de deixar o seu filho de cinco anos adormecer abraçado a um urso de peluche. É uma relação de amizade e carinho que pode vir a conhecer um final trágico um dia mais tarde, quando essa criança se tornar um escuteiro borbulhento e caminhar sozinho no bosque, carregando na mochila a comida perfumada que chamará à atenção de um urso pardo esfomeado...

O Falsista do Saldanha

Quando eu era miúdo era demasiado tímido e envergonhado. Falava de soslaio para as pessoas e digamos que não era muito amigo de as olhar nos olhos. O meu pai discutia constantemente comigo para eu não ser assim, para me tornar mais desenvolto e sociável, para não permanecer eternamente encerrado numa concha... E foi assim que nasceu o drama de muitos e muitos transeuntes das ruas de Lisboa. Em criança, quando um estranho me abordava para perguntar as horas ou alguma indicação, eu soltava um guincho agudo e corria passeio acima espavorido como um esquilo. Mas graças às contendas com o meu pai eu sentia que tinha de mudar esta maneira hermética de ser. Afinal o que se pretendia era que eu fosse educado e maduro, que transpirasse civismo, que ajudasse o meu próximo como se de um familiar se tratasse. Mas, a verdade é que ainda hoje fico nervoso quando alguém me aborda na rua para perguntar uma direcção... não consigo raciocinar, a língua torna-se cortiça, abro a boca e balbucio: "- É sempre em frente...", fazendo o gesto respectivo com a mão. Normalmente costuma resultar, as pessoas agradecem-me sorridentes e eu sinto-me bem na ilusão de ter ajudado alguém a chegar ao seu destino. No entanto, a pouco e pouco, a consciência começa a consumir-me e, no fim, só resta o terrível arrependimento. Não o consigo evitar, não importa se sei ou não sei para onde o pobre cidadão se quer dirigir, se tem de apanhar transportes para lá chegar ou se está a cinco metros do local exacto e não sabe. Da minha boca e postura erecta só saem as palavras tremidas: "-É sempre em frente...", e depois com a mão o gesto respectivo. Quando não me encontro em Lisboa tudo é mais fácil, digo "- Não sou daqui, peço desculpa." e fica o assunto arrumado. Mas na capital há algo supraterreno que assume o controle do meu corpo, algo demasiado terrível e demoníaco para o conseguir explicar. Parece que já se fala de mim por aí, mas ninguém sabe ao certo quem eu sou. Tornei-me numa espécie de mito urbano: o Falsista do Saldanha, dizem eles. Alguém que engana as pessoas nas indicações e as obriga a faltarem a reuniões importantes, a gastarem mais dinheiro de gasolina, a perderem grandes negócios... o Falsista do Saldanha é portanto responsável pelo aumento do desemprego, subida constante do preço do petróleo, guerras pelo mundo fora, grande parte da carreira da Ana Malhoa, etc.
As autoridades estão perto de me descobrir... sei que o fim está próximo e que um dia destes serei capturado. Bem o mereço.

2001: Odisseia mais ou menos no mesmo

Acho caricatos os objectos com "aspecto futurista". São sinal do nosso extraordinário progresso tecnológico e humano. No entanto, esse "aspecto futurista" muitas vezes não passa de um embuste, de uma série de ornamentos que não são muito diferentes àqueles usados na era barroca, não servem para nada senão para enfeitar. Outro dia peguei numa pequena caixinha de metal que ostentava várias bolas coloridas como decoração, parecia uma nave espacial em miniatura. Se alguém visse este objecto há cinquenta anos atrás e lhe fosse dito que era do ano 2006 o indivíduo em questão começaria de imediato a imaginar milhões de significados e funções mirabolantes para aquelas bolinhas coloridas: que serviriam para comunicar em código, para levitar os sofás da sala e alterar a decoração ou para controlar na perfeição o robô particular.
Onde eu quero chegar é que, na minha opinião, as pessoas sempre tiveram espectativas demasiado elevadas em relação ao novo milénio. Na minha opinião não! Isto é mesmo assim! Na antiga série de televisão "Espaço 1999" (e atenção que se referia apenas a 1999) haviam estações espaciais, automóveis voadores, máquinas de teletransporte... o engraçado é que estes visionários realmente acreditavam que por esta altura já teríamos tudo isto e muito mais. Surge-me na mente o seguinte diálogo entre dois argumentistas da série:
(argumentista visionário)- Bom, agora este indivíduo vai para a estação lunar à base de teletransporte... escreve aí à máquina... te-le-trans-por-te...
(argumentista mais céptico)- Tele qué? Tu tens cá uma imaginação... passa-me a borracha de tinta que já me enganei. Alguma vez havemos de ter isso do teletransporte... pffff
(argumentista visionário)- Mas tu és parvo ou quê?! Claro que vamos possuir o teletransporte. Estou certo que surgirá logo a seguir a estabelecermos uma parque de estacionamento para automóveis voadores nos anéis de Saturno. Vai ser canja. Ó pessoal! Aqui este palerma não acredita na invenção do teletransporte!! AHAHHAHHA!
(pessoal em coro)- AHAHAHHAHAHAHHAHA! Realmente... que palerma!!!!
No entanto, estamos praticamente no final do ano de 2006 e eu nunca vi nenhum automóvel voador. Na realidade, os únicos automóveis voadores que neste momento podemos observar são aqueles que sobem pelos ares sempre que há um tufão dos fortes. Tufão esse gerado pelo verdadeiro progresso da Humanidade: o progressivo destruir do planeta Terra. Isso sim é obra feita!
Como começamos a sentir-nos envergonhados por não conseguirmos corresponder às premonições dos nossos antepassados vamos desenhando torradeiras ou frigoríficos que podiam perfeitamente figurar em filmes de ficção científica do antigamente. Estes novos aparelhos não fazem mais que torrar pão ou conservar os alimentos, coisa que as maquinetas barulhentas do passado já faziam, mas têm melhor aspecto. Está, por isso, na altura de ajustarmos as espectativas ao mundo real e à realidade da condição humana... se daqui a cinquenta anos existirem sofás com latas de cerveja e tacinhas de acepipes incorporadas já me darei por satisfeito. Isso sim seria evolução!

O homem-frango

Há um restaurante, perto do local onde moro, cuja especialidade é o frango grelhado. Com piri-piri ou sem, o serviço take away é muito requisitado neste estabelecimento. Há tempos, reparei no empregado que tinha a função de grelhar os frangos. Ele fá-lo uma série valente de horas por dia, frango após frango a crepitar no carvão. Ele grelha frangos todo o santo dia, seis dias por semana, quatro semanas por mês, onze meses e meio por ano... meus amigos, tanta ave desta nem o Ricardo e o Moretto de braço dado! Ora, o homem brilha diariamente, gorduroso, atrás do balcão do restaurante. Os frangos são, ao mesmo tempo, as suas inocentes vítimas, os seus melhores confidentes (pois presumo que não terá muita disponibilidade para conversar com pessoas) e os seus mais fiéis amigos (por serem eles que lhe garantem o sustento). Reparei neste homem porque acredito que ele próprio se está, a pouco e pouco, a transformar num frango. E se formos a ver bem até há uma explicação algo científica para esta metamorfose suceder: ele ali está de sol a sol a respirar o fumo negro que brota dos animais que tostam na grelha, a brilhar com a gordura galinácea que lhe paira na face, a inalar nitrofuranos e hormonas a cada segundo. Graças a isto, a bizarra transformação teve o seu inevitável início. No outro dia tentei avisá-lo do que se estava a passar. Mostrei-lhe a fotografia que trazia no seu B.I. e comparei-a com o reflexo da sua cara no espelho. Era absolutamente inegável. O nariz estava mais longo e adunco, os olhos maiores, mais redondos e afastados, nos mãos e braços jaziam grandes tufos de penugem branca... Mas ele não me quis ouvir. Deu-me um encontrão violento e atabalhoado, piou qualquer coisa que não percebi e regressou ao trabalho. Pobre alma que flutuava entre duas criaturas distintas, caminhava para a forma definitiva de um frango e nada fazia para o impedir. Desisti da minha missão de o reconverter à raça humana e fui para casa.
Ontem passei pelo tal restaurante e reparei que diante da grelha estava agora um novo empregado de aspecto jovem e sonhador. Também esta brilhava agora, reluzente, no meio do fumo do carvão. Foi então que vi a grelhar uma ave incomum. Era desmesuradamente grande e destinava-se a uma mesa de executivos que celebravam o aniversário de um tal de Almeida da contabilidade. Não pensei muito mais no assunto... Moro numa zona estranha.

A carripana de Satanás!

Deus abençoe o comboio e o metro.

Não sou religioso nem nada, mas se sempre fôr verdade a existência de um Todo-Poderoso tenho a certeza que no céu a rede de transportes se resume a estes dois. Lá em baixo, o mafarrico diverte-se a observar os pecadores passearem de autocarro.
Eu ODEIO os autocarros e a mim ninguém me convence que não são obra de Satanás!
Para já são cor-de-laranja que é, como todos sabem, a cor por excelência das labaredas.
Depois, elaboram sádicos jogos mentais connosco. Por exemplo: passam três dezoitos em filinha indiana, e depois os coitados que não os conseguiram apanhar têm de esperar quase uma hora ao frio debaixo daqueles tejadilhos singelos até que outro se digne a aparecer. O único golpe de misericórdia é aquele banquinho manhoso de lata que normalmente tem sempre lá sentada com as pernas abertas uma velha gorda com dois sacos do Minipreço.
Outra: tenho falado com muita gente do ramo da física e de outras ciências e eles juraram-me que não há razão natural para que os autocarros abanem tanto provocando assim violentos embates entre seres humanos. Foram os próprios especialistas que afirmaram com convicção: "Oh André... segundo os nossos gráficos e equações de vigésimo grau isto só pode ser coisa do Belzebu!".
E mais: não só temos de suportar tudo isto como ainda somos obrigados a pagar bilhete. Bilhetes esses que não só são caros mas também têm dois lados a picar de modo a prolongar o sofrimento.
E esta história de porem setes antes dos números das carreiras, na minha ideia, está associado à numerologia com o intuito de oficializar o significado maligno destas bestas mecânicas de tortura.
Felizmente ainda há quem combata pelo bem e contrarie o terror espalhado pelo Chifrudo. Gente que dos seus bonés postos de lado, brincos dourados e olhar agressivo não só se recusa a pagar os bilhetes como ainda se entretem a vandalizar e a partir peças desdes transportes macabros. Glória e longa vida a essa brava e iluminada gente! (agora, o leitor de mp3 realmente faz-me falta e se algum de vocês tiver lido este disparate e o puder dispensar só durante uma semana, ou semana e meia vá, até eu arranjar um novo agradecia imenso...podem ficar com a carteira.)

O Coliseu da tortura

Nos últimos tempos, muita gente se tem dirigido a mim para fazer a pergunta pertinente:
- Oh André! Qual a tua opinião acerca da disposição dos espectadores na sala de espectáculos do Coliseu dos Recreios?
Eu decidi aqui deixar o meu testemunho para não mais ter de o repetir.
"Acho que é a prova mais evidente da hipocrisia e mesquinhez humana."
Passo a explicar...
Há poucas semanas dirigi-me ao local em questão para assistir ao musical "Cats". Não sou grande adepto de musicais, confesso. Tenho uma tendência estúpida para achar pouco digna a ocupação de um indivíduo, que se bamboleia alegremente na sua vestimenta de spandex, perante mim que estou confortavelmente sentado e sereno mesmo à sua frente. Tudo isto para que eu dê por bem gasto o dinheiro do bilhete. Apesar de achar estúpida esta tendência ela lá me ocorre sempre que assisto a um musical.
Mas, adiante...
Entrei na sala de espectáculos e dirigi-me à plateia onde estava o lugar que me tinha sido oferecido. E lá repousei, observando as movimentações. Estava perto do palco, estava-se agradável, confortavelmente sentado, estava bem disposto... senti-me agradecido por me ter sido proporcionado o melhor dos assentos.
Foi aí que começou o disparate...
Reparei num grupo de pobres coitados cujos bilhetes davam acesso a umas cadeiras mesmo ao lado do palco. Mergulhados na mais pura miséria, viam-se obrigados a transgredir as regras da anatomia humana e rodar o pescoço numa rotação de 180 graus para poderem observar alguns actores de perfil. Custou-me a acreditar que aquela era para eles uma noite de lazer, para escapar aos impropérios do dia-a-dia.
"Devem ter optado pelos bilhetes mais baratos." pensei eu. Mas mudei de ideias ao avistar os camarotes.
Lá dentro, as pessoas definhavam num festim deprimente. Alguns pareciam saídos de um filme de guerra, enterravam os olhos em binóculos e pareciam fazer sinais com os dedos para as tropas avançarem. Na realidade, acho que só estavam a confirmar para a família que não se iria mesmo conseguir ver nada. Pareciam toupeiras esquecidas no escuro, destinados a jogar às cartaz para passar o tempo durante a peça.
"Não! Estes ainda devem ter pago menos!" concluí eu.
Foi aí que entendi o quão repugnante é esta tramóia. Podia ter-se ido mais longe mas talvez aí se ferissem susceptibilidades. Eu acredito que mesmo quem queime violentamente os globos oculares ao tentar identificar os pontinhos de cor saltitões que brilham na linha do horizonte tenha pago uns 15 euros. Mas não podiam haver lugares de 5 euros? Ou de 3? De 1 e meio? Lugares em que os espectadores fossem violentamente açoitados com correntes de gado enquanto assistiam aos espectáculos. Ou fossem obrigados a usar auscultadores com a voz de João Malheiro a comentar os vestidos da última festa da revista Caras. Ou tivessem ao lado empregados do Coliseu mascarados de personagens do Senhor dos Anéis a berrarem sem parar "-MAS PORQUE É QUE NÃO DERRETEM ESTA MERDA DE UMA VEZ??!!". É que, na realidade, a ideia é fazerem-nos sofrer por querermos pagar menos, ou a partir o pescoço ou a perder a vista. Se é assim porque não o assumem e chegam aos extremos, para variar. Ao menos as pessoas tinham direito de opção.
Vamos parar com esta hipocrisia, meus amigos. Vamos acabar com a mesquinhez que impera neste "Coliseu dos Receios"... É preciso permitir ao povo escolher livremente.
E PORQUE É QUE TENHO DE SER SEMPRE EU A DAR AS BOAS IDEIAS?!

Obrigado, Adagio!

Ainda no outro dia, peguei num iogurte líquido Adagio e fiquei estupefacto... em silêncio... como se tivesse acabado de assistir à anunciação divina.
O iogurte continha no seu rótulo não só uma atraente e colorida imagem de uma meloa mas também, e para além das informações calóricas e dos ingredientes, apresentava um pequeno texto explicativo de o que é, na realidade, uma meloa. Informação preciosa para os leigos e não só, este texto elucida o bebedor de iogurte líquido de questões tão pertinentes como o contexto histórico da descoberta da meloa ou da zona do globo de onde é originária... Com base nestes dados, e acreditando que todos os iogurtes Adagio oferecem o mesmo tipo de informação adjacente a cada fruto, desde o alperce à manga, eu senti-me em êxtase criativo.
Existe então uma esperança para o nosso sistema de educação!! Isto é gente amiga e altruísta que se apoia no seu génio e intelecto superior em benefício da Humanidade!
Agora, uma criança que bebe um iogurte líquido de meloa pode saber que este fruto veio da Nova Zelândia no séc XIV, a que família da flora mundial pertence e qual o seu peso médio... resumindo, muito brevemente sairá uma valente fornada de botânicos licenciados no nosso país.
E tudo graças à Adagio!
Se me é permitido colocar a colher nesta grande panela de sucesso, aproveito para opinar o seguinte: equações matemáticas dentro dos ovos Kinder em vez de bonecos manhosos que dizem ser pintados à mão (pffff...).
Das duas uma: ou a malta subia para primeiro no ranking de inteligência da UE ou os putos davam cabo desta merda toda ao biqueiro...
De qualquer forma, obrigado Adagio!

Carinhos de mãe

Este país nasceu de uma batalha sangrenta entre uma mãe e o seu filho.
Ora bem, será dos meus princípios e valores ou isto é uma péssima maneira para um condado, que se quer próspero, começar?!
A minha mãe também tem um feitio difícil, embora esteja a ficar melhor com a idade, mas eu nunca lhe ofereci porrada. E isto não é um orgulho que eu tenho, pura e simplesmente nunca me passou pela cabeça porque... sei lá... acho ERRADO!
A minha mãe, tirando um tabefe ou outro que concerteza mereci, também nunca quis andar à espadeirada comigo...
Às vezes imagino como poderia ter sido se a minha história tivesse semelhanças à do conquistador Afonso Henriques, numa das muitas cenas nas refeições da minha infância:

- Come a salada, André! - ordenava ela, paciente.
- NÃO GOSTO DISTO! - berrava eu a fazer birra.
- Come a salada, André! - insistia ela, já enervada.
- NÃO QUERO!
- ENTÃO SE NÃO QUERES REUNE AS TUAS TROPAS E ENCONTRAMO-NOS AMANHÃ NO CAMPO DE BATALHA PARA DERRAMARMOS SANGUE ATÉ À MORTE!!! Iremos chamar-lhe a batalha do miúdo malcriado que nunca quer comer a salada! É isso! Vá, fora daqui!

Ora isto nunca se passou comigo e ainda bem. Por outro lado, passou-se algo parecido com Afonso Henriques e Dona Urraca e nasceu Portugal. É mágica a História.